Ao jurar “falar a verdade, somente a verdade”, imaginamos que tal verdade é única e absoluta. Que tudo o que for falado é o que, de fato, aconteceu. Entretanto, é necessário considerar algumas questões: um mesmo acontecimento é visto da mesma forma, por duas pessoas diferentes? Ou melhor: uma lembrança será sempre a mesma, ao relembrá-la em diferentes momentos da vida? Inicialmente, o que devemos ter em mente é o que Loftus aponta, dizendo que “a memória das pessoas não é somente a soma de tudo aquilo que fizeram, mas talvez algo mais: as memórias são também a soma daquilo que as pessoas pensaram, de tudo o que lhes foi dito, e de todas as suas crenças” (LOFTUS, 2006). Dessa forma, tomamos conhecimento de que nossas lembranças são verdadeiras para nós mesmos, e são transpassadas por aquilo que acreditamos, que vemos, ouvimos e, principalmente, interpretamos. Portanto, não se pode toma-la como algo absoluto. E é pensando nisso que se introduz a ideia das falsas memórias. Por definição, pode-se considera-las como lembranças de eventos específicos como se estes realmente tivessem ocorrido, mas, na verdade, não aconteceram (STEIN, 2010). A princípio, parece difícil de acreditar que isso possa existir, mas podemos tomar inúmeros pequenos exemplos corriqueiros. Quem nunca perdeu um objeto e, ao procura-lo pela casa, teve a nítida imagem formada em mente de estar em determinada gaveta, para descobrir que nunca havia estado lá ao abri-la? Mesmo que em menor intensidade, não se pode negar (e começar a imaginar a partir de agora) o quanto nossas lembranças estão suscetíveis a sofrerem alterações. As falsas memórias podem surgir de duas formas: espontaneamente ou implantada e sugerida (ALVES e LOPES, 2007). Reyna e Lloyd (1997) explicitam que enquanto a primeira maneira é criada internamente no sujeito como um processo normal decorrente da compreensão do evento, a segunda se refere a uma sugestão externa, proposital ou não, sendo que o conteúdo não faz parte do acontecimento vivenciado, mas contém características coerentes com o fato em questão. Sabendo disso, podemos fazer uma ligação direta com as fases de um processo e demais práticas que são baseadas na integridade da memória dos diversos atores jurídicos. Desde testemunhos a identificações, é necessário estar ciente de que falhas podem ocorrer do início ao fim e isso pode ser minimizado tento uma condução diferenciada. Diversos estudos apontam que a fidedignidade de um discurso não pode ser considerada em sua totalidade. Gesu (2008) indica que a memória, ao ser evocada, demonstra uma síntese aproximada daquilo que foi percebido. Dessa forma, no contexto de um delito, o sentimento “vem a minimizar a observância dos detalhes do acontecimento, ou seja, prejudica aquilo que os depoentes viram e ouviram”. Assim, além dos fatores já explicitados, encontramos também a presença da emoção e do sentimento, elementos totalmente intrínsecos ao ser humano. Não há como descartarmos o discurso dos indivíduos apenas por termos consciência da falibilidade dele. A Justiça trabalha para e com as pessoas, e por conta disso, as falas destas são imprescindíveis para definir o contexto da demanda. Entretanto, já sabemos que devemos considerar a possibilidade de falsas lembranças estarem presentes nestes discursos. Dessa forma, verificamos uma área de estudo de extrema importância. A pesquisa científica sobre a memória tem o pressuposto de identificar fatores que minimizem a ocorrência. Pois, como explicita Alves e Lopes (2007), a psicologia pode ajudar não apenas o cotidiano das pessoas, mas vários outros profissionais, principalmente os da área jurídica. Este apoio condiz com o antes, durante e depois de um processo, já que não se limita apenas ao momento do testemunho, mas tem aporte para ir muito além disso. Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica Referências bibliográficas ALVES, Cíntia M., LOPES, Ederaldo J. Falsas Memórias: questões teórico-metodológicas. Paidéia. 2007. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/paideia/v17n36/v17n36a05.pdf> Acesso em 19 mar. 2017. GESU, Cristina C. Prova Penas e Falsas Memórias. Dissertação de Mestrado. PUCRS. Porto Alegre, 2008. Disponível em <http://hdl.handle.net/10923/1903> Acesso em 19 mar. 2017. LOFTUS, Elizabeth. Memórias Fictícias. Lusíada, n. 3-4, 2006, Lisboa (Portugal), 2006. In. IRIGONHÊ, Márcia de M. A Falibilidade do Testemunho: Considerações sobre o Reconhecimento de Pessoas na Esfera Criminal à Luz das Falsas Memórias. Disponível em <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/121854/A%20Falibilidade%20do%20Testemunho.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em 19 mar. 2017. Reyna, V. F., & Lloyd, F. (1997). F. Theoriesof falsememory in childrenandadults. Learning andIndividual DifferencesIn.ALVES, Cíntia M., LOPES, Ederaldo J. Falsas Memórias: questões teórico-metodológicas. Paidéia. 2007. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/paideia/v17n36/v17n36a05.pdf> Acesso em 19 mar. 2017. STEIN, Lilian M. (col.) Falsas memórias. Porto Alegre: Artmed, 2010. Comments are closed.
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