Em meio a notícias envolvendo prisão de políticos, mega-operações da Polícia Federal, acordos de delação, a população viu com perplexidade que o Goleiro Bruno estava em liberdade. Como alguém condenado à pena de 22 anos e 03 meses de prisão[1] (em 1º grau), por crimes[2] que chocaram o país, foi solto Supremo Tribunal Federal? Antes de responder à questão, uma retrospectiva se faz necessária. Em 04 de agosto de 2.010, em cumprimento a um mandado de prisão temporária[3] (a qual foi convertida em prisão preventiva), o Goleiro Bruno foi preso, acusado de envolvimento no sequestro, morte de Eliza Samudio e ocultação do seu cadáver[4]. A condenação à pena de 22 anos e 03 meses, pelos crimes de homicídio qualificado, sequestro, sequestro e cárcere privado e ocultação de cadáver ocorreu em 08 de março de 2.013[5]. Desde a sua prisão temporária, até a condenação em 1º grau, o Goleiro Bruno permaneceu preso por 02 anos, 07 meses e 04 dias. Ainda na sentença, o Goleiro Bruno teve negado seu direito de recorrer em liberdade. Eis o trecho da sentença:
Da sentença condenatória, a defesa apresentou Recurso de Apelação, razão pela qual os autos foram encaminhados ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. A cronologia dos andamentos processuais não teve prosseguimento depois que o caso penal foi enviado ao Tribunal. Ou seja, o Recurso da defesa está há 04 anos sem julgamento. (Vale destacar que o tempo de tramitação do Recurso de Apelação já superou o da fase de pronúncia e instrução do Júri). Levando-se em consideração que o Goleiro Bruno foi preso (inicialmente de forma temporária e depois convertida em preventiva) em 04 de agosto 2.010, ele ficou 06 anos, 06 meses, e 17 dias[7] preso de forma preventiva, com o seu Recurso de Apelação pendente de julgamento. Após esta breve análise na cronologia dos andamentos processuais no caso do Goleiro Bruno, fica fácil compreender a fundamentação apresentada pelo Ministro Marco Aurélio (que substituiu a relatoria do Ministro Teori Zaviski). Eis a ementa:
Uma prisão cautelar, com duração superior a 6 anos, perde o seu sentido (provisório), passando a ser uma forma imprópria de antecipação de pena (o que é vedado pelo nosso Ordenamento Art. 5ª LVII[9] e LXI[10] CF e Art. 283[11] CPP) . Além do excesso de prazo para o julgamento do Recurso de Apelação, o Ministro Marcos Aurélio identificou grave constrangimento ilegal na forma com a qual a impossibilidade de recorrer em liberdade foi fundamentada. No caso, a manutenção da prisão preventiva foi mantida com base na gravidade dos fatos concretos (homicídio, sequestro e ocultação de cadáver) e também no clamor social. Inobstante o impacto causado pela repercussão dos fatos, a impossibilidade de recorrer em liberdade deve(ria) estar lastreado nos requisitos previstos no Art. 312 CPP, a saber: a) garantia da ordem pública; b) da ordem econômica; c) por conveniência da instrução criminal; ou d) para assegurar a aplicação da lei penal. Da mesma forma, a decisão deveria fundamentar os motivos que tornam a prisão preventiva como medida mais adequada na hipótese, o que obstaria a imposição de medidas alternativas[12]. De acordo com a decisão do Ministro Marcos Aurélio, uma prisão preventiva, que perdura por mais de 06 anos, e que foi renovada (na ocasião da sentença, quando indeferido o direito de recorrer em liberdade) em elementos diversos aos requisitos previstos no Art. 312 CPP, caracteriza constrangimento ilegal. Em resumo, a impossibilidade de recorrer em liberdade foi fundamentada, apenas, com base nos elementos utilizados para a convicção sobre materialidade e autoria dos fatos, o que, por si só, não é suficiente para decretação da prisão preventiva. No despacho em que a liminar foi concedida, o Ministro Marcus Aurélio, em momento algum (até por que não seria possível em habeas corpus), fez qualquer menção à gravidade dos fatos, e sim que o excesso de prazo da medida (que deveria ser cautelar) aliada a fundamentação pela impossibilidade de recorrer em liberdade, apenas em elementos ligados a autoria e materialidade, desvirtuaram a função da prisão preventiva como uma medida cautelar, passando a se tornar uma forma imprópria de antecipação de pena. Isto posto, em resposta ao questionamento inicial, o Goleiro Bruno foi solto, pois a possibilidade de recorrer em liberdade (ainda na sentença) foi negada com base apenas na gravidade concreta dos fatos, e também pelo excesso de prazo para a conclusão do julgamento do Recurso de Apelação (quase 04 anos). Agora que você sabe os motivos que culminaram na soltura do Goleiro Bruno, surge a seguinte questão: será que o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais vai demorar a julgar o seu Recurso de Apelação? E após o término do julgamento do Recurso de Apelação, se a condenação for mantida, o Tribunal poderá aplicar o entendimento do HC 126.292/STF e determinar a execução provisória da sentença? A primeira questão só o tempo vai responder, porém a segunda será explicada na próxima coluna através do caso do Goleiro Edinho (filho do Pelé) que recentemente foi solto, poucos dias após ser preso. Thiago Pontarolli Advogado Criminal [1] http://www.conjur.com.br/2017-fev-24/liminar-afasta-preventiva-goleiro-bruno-preso-seis-anos [2] Art. 121, § 2º, incisos I, III e IV (homicídio qualificado por motivo torpe, com emprego de asfixia e com recurso que dificultou a defesa da vítima), 148, § 1º, inciso IV (sequestro e cárcere privado qualificado por ser a vítima menor de 18 anos), e 211 (ocultação de cadáver), todos do Código Penal. [3] Art. 1° Caberá prisão temporária: I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°); b) sequestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°); [4] O presente artigo não vai fazer qualquer relação a materialidade ou não do crime homicídio, pois desnecessária para entender o motivo pelo qual o STF concedeu a liberdade em decisão liminar. [5] Autos n°: 0079.10.035.624-9. [6] Autos n°: 0079.10.035.624-9. [7] Período contabilizado que compreende a data da prisão em 04.08.10 até a decisão liminar do Ministro Marcus Aurélio, proferida em 21.02.17. [8] STF – HC 139.612, Marco Aurélio, decisão liminar, DP 01.03.17. [9] Art. 5º CF, LVII — Ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. [10] Art. 5ª CF, LXI — Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. [11] Art. 283 CPP - Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. [12] Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX - monitoração eletrônica. Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |