Em tempos recentes, o processo penal assumiu papel de destaque no cotidiano da sociedade brasileira. O que antes era assunto quase que exclusivo de advogados criminais, promotores e juízes, transcendeu o limitado mundo dos profissionais do foro criminal e alcançou a pauta pública de discussões. Alguns casos criminais tornaram-se assuntos nos mais variados ambientes. É possível se ouvir médicos comentando sentenças, engenheiros questionando estratégias de defesa ou de acusação e professores de matemática buscando compreender os critérios que consubstanciam a dosimetria da pena.
O processo penal é até mesmo tema das denominadas “resenhas” após o futebol dos amigos. Entre discussões sobre quem deveria ter marcado quem ou quem deveria ter passado a bola, surge sempre um “jogador” questionando algum ponto de determinado processo penal de destaque. Tudo isso torna-se maximizado quando se tem, entre um dos “boleiros”, um profissional do direito – e ele nem precisa ser um criminalista. O processo penal deixou de ser um assunto exclusivo dos profissionais do direito. Em “tempos de lava-jato”, nos quais o interesse nacional circunda a atuação de magistrados, membros do ministério público e advogados, todo mundo passou a ser observador e, ao mesmo tempo, um interessado em compreender as nuances do nosso intrincado e complexo sistema processual. E mais. A sociedade não só quer entender o que se passa no âmbito processual, como passou a questionar a própria atuação de determinados personagens dessa “trama”, sobretudo a atividade dos advogados criminais que figuram nas famigeradas “operações”. Com a aparição constante de advogados nos mais variados meios de comunicação, tem sido comum que as pessoas questionem sobre suas habilidades profissionais e sobre o seu próprio papel no processo. Não é estranho ver pessoas debatendo a qualidade de certos profissionais, se são “bons” ou “ruins”, como também não é incomum que se vejam comentários sobre a conduta combativa de alguns advogados, se isso beneficia ou prejudica o acusado. Em casos de apelo midiático, seja em nível regional ou nacional, os advogados passaram a ser constantemente observados pelos espectadores e, com isso, o resultado dos julgamentos passou a ser fundamental – ao menos na visão de quem assiste – na construção da imagem do profissional. Por exemplo, se em determinado caso o advogado consegue a soltura de um cliente preso cautelarmente, passa a ser visto como bom causídico. Se, ao contrário, não consegue uma sentença de absolvição, é visto como um advogado ruim. Até mesmo os julgamentos colegiados passaram a ser “placarizados”. O que antes era visto como julgamento por unanimidade ou por maioria, passou a ser visto como um jogo, no qual o advogado pode vencer ou perder por 3x0 ou 2x1 quando o seu caso é julgado por turmas ou câmaras dos Tribunais, por exemplo. A questão hoje é saber se isso pode efetivamente ser vantajoso ao advogado. Se, por um lado, o advogado passou a ter espaço de fala para além dos autos. Por outro, passou a ser também o principal alvo de questionamentos – o que gera uma espécie de receio nos profissionais, pois alguns passaram a se pautar no julgamento público da causa, abstendo-se, muitas vezes, de praticar determinados atos em virtude do medo da opinião pública. Efetivamente, todo defensor visa a absolvição completa de seu assistido. É natural, é inerente à própria atividade de defesa. Porém, um processo penal nem sempre permitirá o alcance de tal resultado e o grande problema reside em como a imagem do profissional suportará isso perante o julgamento implacável dos espectadores da “trama”. Ao público comum, é difícil compreender que a atividade defensiva é de meio – ou seja, não promete resultados, mas, sim, a utilização de todos os meios possíveis em busca desse resultado (que não depende só do advogado). E por isso mesmo toda exposição do caso penal e principalmente do causídico devem ser pensadas com extrema cautela. Embora seja lícito o uso da mídia pela defesa – máxime em tempos nos quais o ministério público, na qualidade de acusador, utiliza desse expediente à exaustão, com vazamentos seletivos de informações a fim de prejudicar os réus –, não se pode perder de vista que o trabalho do advogado está muito mais sensível ao julgamento negativo da sociedade. Por isso mesmo a exposição desmedida e, sobretudo, temerária pode por tudo a perder quando se fala em imagem profissional, principalmente num país em que determinados veículos de imprensa não têm nenhum compromisso com a informação. Por isso mesmo o último compromisso do advogado deve ser o de agradar os interesses da imprensa ou se pautar pela expectativa de um julgamento positivo dos diversos setores sociais. O seu lugar de fala primordial ainda deve ser os autos do processo e é ali que deve se utilizar de todos os expedientes necessários ao exercício da boa defesa. O trabalho da defesa não se faz na redação de jornais e revistas, mas no processo penal. O trabalho da defesa criminal deve pautar-se sempre pelo interesse do assistido, na busca pelo melhor resultado possível e que, principalmente, privilegie a sua liberdade. Ainda que nem sempre seja compreendido pelo “julgamento das ruas”, o que deve mover o agir do advogado é sempre a luta pela melhor aplicação do direito, mesmo que, para isso, tenha que ser alvo das mais duras críticas. O único compromisso de um advogado é com o defendido não é com a mídia ou com as opiniões alheias. Independente do alto grau de clamor ou de passionalidade da causa, o advogado criminal não pode se dobrar ante os desmandos da violação de direitos e da liberdade. A advocacia criminal não é local adequado a quem tem receio de se fazer ouvir. É preciso que se fale. É preciso que se diga. É preciso que se apontem os excessos, doa a quem doer. O bom trabalho, feito às duras penas, no estudo da causa, no conhecimento do direito, na combatividade, na seriedade e no compromisso com a liberdade; sempre será bem recompensado, ainda que, para tanto, tenha que passar por injustos julgamentos públicos em que a desinformação oblitera a visão adequada da competência e da maestria do profissional ao conduzir a defesa. Douglas Rodrigues da Silva Advogado Criminalista Especialista em Direito e Processo Penal Comments are closed.
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