![]() Artigo de Francieli Correia de Medina Guilherme e Suzilene Gomes no sala de aula criminal, vale a leitura! ''Uma nova decisão da Suprema Corte, em 2022, sobre o caso Roe vs Wade trouxe um retrocesso para a legislação estadunidense. A histórica decisão de 1973, que na época foi um grande progresso para o direito à saúde das mulheres, foi revogada em junho deste ano, através do caso Dobbs vs Jackson Women’s Health Organization. Inicialmente, devido as jurisprudências anteriores, o Tribunal deu decisão favorável à Instituição, a qual indagou sobre a constitucionalidade da proibição do aborto após a 15 semana de gestação prevista por lei no Mississipi. Entretanto, em recurso a Suprema Corte, a decisão foi favorável à Dobbs, revogando assim a decisão Roe vs Wade, com alegação de que a Constituição não prevê direito ao aborto, portanto, não deveria ser um tema a ser decidido no órgão jurisdicional, mas sim pelos representantes do povo de seus Estados''. Por Francieli Correia de Medina Guilherme e Suzilene Gomes No Brasil, em meio a uma sociedade majoritariamente conservadora, a prática abortiva é apontada pelos tradicionalistas como um crime contra a vida, um assassinato. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, traz em seu art. 5º, o direito à vida, o qual o Estado utiliza para embasar sua afirmação de que o aborto é uma violação a um direito fundamental. Entretanto, não traz artigo algum que trate expressamente do tema aborto, seja para proibi-lo ou para permiti-lo.
Já no Código Penal Brasileiro, nos artigos 124 a 126, o aborto é tipificado como crime, com detenção de um a três anos para aquela que provocar aborto em si mesma ou permitir que outrem o provoque; reclusão de três a dez anos para aborto provocado por terceiros; e reclusão de um a quatro anos para aborto provocado com o consentimento da gestante ou responsável legal, caso esta seja menor de 14 anos. Apesar da tipificação do ato, no art. 128 do mesmo Código, prevê - em abstrato - os casos de exceções para realização do aborto, ou seja, o procedimento pode ser realizado quando há risco a vida da gestante e quando a gravidez é proveniente de estupro, ou ainda, quando o feto for anencefálico, conforme decisão da ADPF/54 de 2012 do Supremo Tribunal Federal. Mesmo com ressalvas legislativas, as mulheres que buscam auxílio médico para realização da intervenção gestacional, muitas vezes não tem seu direito ou sua escolha respeitada. Segundo Marcella Fernandes (2020), entre os anos de 2011 e 2016, cerca de 4.200 crianças e adolescentes tiveram gestação resultante de violência sexual, e em média 720 desses casos com o direito ao aborto legal negado, por opiniões pautadas em valores morais e religiosos, são questionadas, julgadas e persuadidas quanto a realização do procedimento. Devido à recusa de proceder com o aborto legal, as vítimas precisam buscar seus direitos na justiça, o que fomenta em maiores transtornos físicos, emocionais e psicológicos na vítima. Não obstante, alguns casos relatam a possibilidade de persuasão da vítima a não realizar o procedimento, como ocorreu no estado de Santa Catarina, em um caso de uma menina de 11 anos que foi estuprada e teve seu direito barrado pelo Hospital no qual buscou ajuda, e ao requerer seu direito na justiça, foi questionada e persuadida pela magistrada que conduzia o processo, uma vitimização secundária. No entanto, após vários questionamentos e procedimentos processuais, a infante conseguiu ter seu direito atendido, e pode realizar a interrupção da gravidez. (BORGES, 2022). Analisando casos como o supramencionado, é evidente a forma conservadora que o Congresso atual trata a prática do aborto, e como ainda é mantido uma legislação atrasada, a qual criminaliza juridicamente e socialmente a interrupção voluntária da gravidez, ainda que se trate de exceção estabelecida em lei. As vedações legislativas e procedimentos burocráticos para que a mulher possa exercer seus direitos ocasiona, muitas vezes, no aumento das taxas de abortos realizados clandestinamente, bem como no aumento do número de mortes e internações por complicações advindas da prática. Já no ordenamento jurídico estadunidense, assim como no ordenamento jurídico brasileiro, o aborto não está diretamente regulamentado na Constituição, entretanto, até junho de 2022, era uma prática descriminalizada graças a uma decisão favorável ao procedimento emitida pela Suprema Corte no ano de 1973, no caso Roe vs Wade. Norma McCorvey, à época com 22 anos enfrentava sua terceira gestação, porém sem intenção de levá-la adiante. Devido não estar dentro dos critérios permitidos para realização da prática abortiva, decidiu levar sua requisição ao Tribunal, com a ajuda de suas advogadas, Sara Wedington e Linda Coffee, por alegação de estupro. (MORAIS, 2009, p. 10) Durante o processo, Norma McCorvey recebeu o pseudônimo de Jane Roe. Na Suprema Corte dos Estados Unidos, Henry Wade atuava como procurador do estado do Texas. Após vários meses desde o início do processo, o Tribunal decidiu a favor da interrupção gestacional, entretanto, apesar do ganho de causa, McCorvey tornou-se outra “vítima” do sistema judicial americano, visto que devido à morosidade do processo houve o nascimento da criança, a qual foi encaminhada para adoção. (MORAIS, 2009, p. 10) O caso então, ficou conhecido como Roe vs Wade. A partir de tal jurisprudência, os Estados não poderiam mais proibir a realização do aborto antes da 24ª semana, mas restringir a prática no último mês de gestação. Em 1992, a Suprema Corte, através da decisão no caso Planned Parenthood vs Casey, flexibilizou os critérios para a prática do aborto, admitindo que fosse proibido antes do terceiro trimestre em caso de identificação de viabilidade extrauterina, ou seja, se houvesse a possibilidade de sobrevivência do feto fora do útero, a ser tratado como bem jurídico, uma vida a ser protegida pelo Estado. (SARMENTO, 2005, p. 47-48). Em 2021, passou a vigorar a Lei Senate Bill 8 (SB8), do Estado do Texas, considerada uma grande conquista para os conservadores, uma vez que proibi a prática do aborto caso haja atividade cardíaca. Esta lei impõe que os médicos devem por obrigação realizar ultrassom para verificação de possível batimento cardíaco, e caso este seja detectado, independente do tempo de gestação, o aborto não será permitido, exceto se houver risco à vida da gestante. (PRESSI et al., 2021, p. 10, apud BEAUREGARD, 2021, s/p). Uma nova decisão da Suprema Corte, em 2022, sobre o caso Roe vs Wade trouxe um retrocesso para a legislação estadunidense. A histórica decisão de 1973, que na época foi um grande progresso para o direito à saúde das mulheres, foi revogada em junho deste ano, através do caso Dobbs vs Jackson Women’s Health Organization. Inicialmente, devido as jurisprudências anteriores, o Tribunal deu decisão favorável à Instituição, a qual indagou sobre a constitucionalidade da proibição do aborto após a 15 semana de gestação prevista por lei no Mississipi. Entretanto, em recurso a Suprema Corte, a decisão foi favorável à Dobbs, revogando assim a decisão Roe vs Wade, com alegação de que a Constituição não prevê direito ao aborto, portanto, não deveria ser um tema a ser decidido no órgão jurisdicional, mas sim pelos representantes do povo de seus Estados. Desde a descriminalização, a taxa de aborto em clínicas clandestinas no país estava decaindo, por conseguinte, o número de mortes e internações por complicações advindas da prática também diminuíram. Entretanto, com a revogação de Roe vs Wade, abriu-se precedentes para que os Estados voltem a proibir o procedimento com mais rigorosidade e em decorrência disso, a probabilidade de aumento nas taxas de mortalidade materna e complicações provenientes das práticas ilegais de aborto retornarão, o que causará um grande revés na saúde da mulher. Por fim, no Brasil, assim como nos EUA, muitos são os movimentos progressistas em prol da mulher e seus direitos, mas nem sempre as demandas são atendidas. Em ambas as Constituições não está disposto artigo que trate sobre o aborto, contudo, no Código Penal brasileiro o tema é tipificado como crime, bem como criminalizado pela sociedade conservadora como uma violência contra a vida. Nos Estados Unidos, para tratar sobre procedimentos de aborto, ou outro tema que não esteja elencado expressamente na Constituição, é aplicado as jurisprudências americanas, como as decisões nos casos Roe vs Wade, Planned Parenthood vs Casey, Dobbs vs Jackson Women’s Health Organization, para então o magistrado decidir sobre o tópico em questão. Este é um método de cunho muito marcante na justiça norte-americana. Por ser um país desenvolvido, os Estados Unidos possuí uma grande influência sob diversos países no mundo, e por isso, infere-se que a descriminalização do aborto está a léguas de chegar a países como o Brasil, ao contrário, com o fim da decisão do caso Roe vs Wade, a tendência é que esta mudança acarrete restrições mais rigorosas dos direitos das mulheres. Defender a descriminalização ou legalização do aborto é lutar por um projeto de sociedade com igualdade. Significa sustentar que a mulher não deve ser impedida ou constrangida de realizar o aborto e, tampouco, deve esperar uma decisão da Justiça para passar pelo procedimento. A mulher deve ter o direito de decidir se quer levar uma gestação adiante ou não, e essa decisão não deveria ser do Estado. Não deve ser de ninguém, a não ser dela mesma. Francieli Correia de Medina Guilherme Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário UniSanta Cruz; E-mail: francielic.medinag@gmail.com Suzilene Gomes Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário UniSanta Cruz; E-mail: suzisann@gmail.com REFERRÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BORGES, Caroline; BATISTTELA, Clarissa. Menina de 11 anos que foi estuprada em SC consegue fazer aborto, diz MPF, [S.I.], 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2022/06/23/menina-de-11-anos-que-foi-estuprada-em-sc-consegue-fazer-aborto-diz-mpf.ghtml. Acesso em: 20 ago. 2022 BRASIL. 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