A MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL E OS SEUS LIMITES SOB A PERSPECTIVA DE UMA HERMENÊUTICA JURÍDICA ADEQUADA7/16/2018
1. A mutação constitucional no ordenamento jurídico brasileiro
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 rompeu com a Constituição anterior elaborada no período de regime militar, a qual restringia uma série de direitos e garantias fundamentais. Com a sua promulgação, inovou-se no tocante à limitação da atuação estatal frente aos particulares, bem como também foi elencado um extenso rol de direitos e garantias fundamentais, tecendo-os como cláusulas pétreas, sendo insuscetíveis de alterações por emendas ou leis infraconstitucionais, sob pena de ofender não somente o texto constitucional, mas os objetivos fundamentais instituídos pela nossa República Federativa, consagrados no artigo 3º da Carta Magna. Assim, quanto a sua estabilidade, é classificada como rígida. Nas palavras do constitucionalista José Afonso da Silva (2006, p. 45), “A rigidez constitucional decorre da maior dificuldade para sua modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal”. Destarte, faz-se mister salientar que o papel da Lei Maior é organizar e estruturar o Estado por meio de seu conjunto de normas. Marcelo Novelino (2014, p. 47) explica que “o Poder Constituinte Originário é responsável pela escolha e formalização do conteúdo das normas constitucionais. Trata-se de um poder político, supremo e originário, encarregado de elaborar a Constituição de um Estado”. Nas lições de José Afonso da Silva (2006, p. 37-38):
Assim, “significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos” (SILVA, 2006, p. 45). É imprescindível a observância às normas constitucionais, haja vista que as mesmas estruturam o ordenamento jurídico pátrio. Ressalta-se, nesse sentido, que a Constituição rígida – “Adotada pela maioria dos Estados modernos” (NOVELINO, 2014, p. 93) –, também é dinâmica, podendo ser alterada conforme as mudanças ocorridas no contexto social sob a ótica temporal, diferenciando, assim, as figuras do Poder Constituinte Originário e do Poder Constituinte Decorrente. Nas palavras de Marcelo Novelino (2014, p. 47):
Como método de alteração do texto constitucional, observado o princípio da imutabilidade das cláusulas pétreas, têm-se as modalidades formal e informal. A primeira trata das modificações efetuadas por meio das emendas constitucionais elaboradas pelo Constituinte Derivado. A segunda modalidade, objeto do presente estudo, refere-se à mutação constitucional, aplicada pelo Poder Judiciário, a qual comporta a mudança da interpretação da norma sem modificar o texto constitucional. Segundo Marcelo Novelino (2014, p. 142):
A necessidade da (re) leitura das normas constitucionais se deriva da imposição de acompanhamento destas junto à evolução da sociedade, devendo ser observadas de acordo com o tempo presente. Deste modo, “[...] a Constituição é elaborada para orientar os destinos de um país durante um tempo indefinido, enfrentando muitas vezes crises institucionais e não previsíveis no momento de sua feitura” (PEIXINHO, 1998, p. 55). Daí emana a necessidade de algumas alterações do texto constitucional, uma vez que a sociedade não é estática, mas sim dinâmica, e a Constituição precisa acompanhar o progresso social. Todavia, a mutação constitucional tem por escopo a alteração interpretativa, apenas. Essa modalidade surgiu na Alemanha. Assim, “o conceito de mutação foi introduzido no direito constitucional por Laband e posteriormente tratado de forma mais ampla e técnica por Jellinek em clara contraposição à reforma constitucional” (NOVELINO, 2014, p. 142). No entanto, a mutação constitucional é um mecanismo sensível, haja vista que a nossa Constituição possui a sua rigidez. A inadequação de seu método tende a ocasionar uma crise de decisionismo no âmbito da Suprema Corte ao analisar e decidir sobre tais alterações. Além do mais, pode se elevar a um problema no campo interpretativo, ocasionando um colapso hermenêutico, desviando o real sentido da mutação. A alteração informal da norma constitucional é um instrumento delicado, pois todo o ordenamento jurídico é sustentado pela Constituição, e qualquer excesso pode lesionar os direitos fundamentais instituídos como cláusula pétrea, abrindo precedentes para a instauração do caos. Sobre a interpretação, NOVELINO (2014, p. 174-175). A interpretação das leis conforme a Constituição é uma decorrência lógica da supremacia constitucional e da presunção de constitucionalidade das leis. Se os atos infraconstitucionais têm como fundamento de validade a Constituição, presume-se que os poderes que dela retiram sua competência agiram em conformidade com os seus preceitos, razão pela qual a dúvida milita a favor da manutenção da lei. (...) A interpretação de uma norma constitucional não visa à satisfação direta de determinada situação concreta como se percebe no direito privado, porque as normas de direito público se destinam a regular a organização política do Estado e deste com a sociedade. (PEIXINHO P. 54). 2. Hermenêutica e democracia: os problemas da discricionariedade interpretativa Nesse sentido, com base na importância dos princípios e garantias fundamentais presentes na Carta Magna, é fundamental observar o papel do Estado e do constitucionalismo, reforçando a hermenêutica no direito para uma aplicação e efetivação conforme um Estado Social e Democrático de Direito. A mutação constitucional nesse sentido, deve observar os limites hermenêuticos para aplicação no ordenamento jurídico sob o risco de alterar o texto legal implicando na redução de direitos e garantias fundamentais, consoante dispõe o artigo 60, §4º, inciso IV da constituição federal, utilizando como exemplo o HC 126.292. Assim, conforme salienta o Professor Fauzi Hassan Choukr:
A referida decisão trouxe inúmeros questionamentos pela doutrina demonstrando mais uma vez os problemas inerentes ao sistema recursal brasileiro, observando-se nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal a ausência de fundamentação ampla sobre a necessidade de alteração do sistema recursal, mas apenas alterando-se o entendimento de uma cláusula pétrea com fundamentações convenientes ao momento atual, utilizando superficialmente a utilização do direito comparado sem preocupar-se efetivamente com a compatibilidade e aplicação dos institutos. Como preceituam Paulo Silas Filho e Hellen Fernandes[2]:
Nesse sentido, tratando-se de direitos e garantias fundamentais, é fundamental refletir sobre a forma de aplicação pelos tribunais observado a importância do tema em sua totalidade. Como salienta Lênio Streck[3]: ‘’ o Estado Democrático de Direito proporcionou uma nova configuração nas esferas de tensão dos Poderes do Estado, decorrente do novo papel assumido pelo Estado pelo constitucionalismo, circunstância que reforça, sobremodo, o caráter hermenêutico do direito’’. Assim, a Constituição deve adequar-se à sociedade para não tornar-se obsoleta frente as novas gerações e uma letra morta, como preceitua Ferdinand Lassale, observado sempre os limites interpretativos basilares de uma democracia para a busca e concretização dos direitos fundamentais presentes na constituição. Não é algo simples diante do contexto jurídico atual, no qual decisões são tomadas em atendimento ao clamor social e influências da mídia à margem de abusos e ilegalidades. Ao vislumbrar decisões arbitrárias é fundamental questionar as novas interpretações, Streck denomina de angústia do estranhamento, aduzindo que ‘’ essa angústia do estranhamento não está ocorrendo, o que se pode comprovar pela inefetividade do texto da Constituição (ou por seu desrespeito naquilo que se entende por limites semânticos do texto. Por isso, cabe-nos a tarefa de descobrir/ suspender os pré-juízos que cegam, abrindo uma clareira no território da tradição’’[4]. Aicha Eroud Acadêmica de Direito do Centro Universitário CESUFOZ Membro Fundadora do Instituto de Estudo do Direito – IED Estagiária da Câmara Municipal de Foz do Iguaçu e-mail: aichaeroud@hotmail.com Paula Yurie Abiko Graduanda Centro Universitário Franciscano do Paraná – FAE Estagiária do Ministério Público Federal Membro do grupo de pesquisa O mal estar no Direito Modernas Tendências do Sistema Criminal Trial by Jury e Literatura Shakesperiana Membro do International Center for Criminal Studies e da Comissão de Criminologia Crítica do Canal Ciências Criminais Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM REFERÊNCIAS: CHOUKR, Fauzi Hassan. Abandonai toda a esperança vós que aqui entrais: Habeas Corpus 126.292. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/abandonai-toda-a-esperanca-vos-que-aqui-entrais-habeas-corpus-126-292/> ISSN: 2446-8150. Acesso em: 15 de julho de 2018. NOVELINO, Marcelo. Manual de direito constitucional. – 9. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014. PEIXINHO, Manoel Messias. A interpretação da Constituição e os princípios fundamentais: elementos para uma hermenêutica constitucional renovada. – Rio de Janeiro: Ed. Lidador, 1998. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. – 26ª ed., rev. e atual. São Paulo: Ed. Malheiros, 2006. STRECK, Lenio. Hermenêutica jurídica em crise, uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 11ª edição, revista, atualizada e ampliada. Livraria do Advogado, Porto Alegre 2014. TAPOROSKY FILHO, Paulo Silas; FERNANDES, Hellen Caroline Pereira. Algumas notas sobre o equívoco do STF no uso do direito comparado no HC 126.292/SP. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/leitura/algumas-notas-sobre-o-equivoco-do-stf-no-uso-do-direito-comparado-no-hc-126-292-sp> . ISSN: 2446-7405. Acesso em 15 de julho de 2017. [1] CHOUKR, Fauzi Hassan. Abandonai toda a esperança vós que aqui entrais: Habeas Corpus 126.292. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/abandonai-toda-a-esperanca-vos-que-aqui-entrais-habeas-corpus-126-292/> ISSN: 2446-8150. Acesso em: 15 de julho de 2018. [2] TAPOROSKY FILHO, Paulo Silas; FERNANDES, Hellen Caroline Pereira. Algumas notas sobre o equívoco do STF no uso do direito comparado no HC 126.292/SP. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/leitura/algumas-notas-sobre-o-equivoco-do-stf-no-uso-do-direito-comparado-no-hc-126-292-sp> . ISSN: 2446-7405. Acesso em 15 de julho de 2017. [3] STRECK, Lenio. Hermenêutica jurídica em crise, uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 11ª edição, revista, atualizada e ampliada. Livraria do Advogado, Porto Alegre 2014. p. 411. [4] STRECK, Lenio. Hermenêutica jurídica em crise, uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 11ª edição, revista, atualizada e ampliada. Livraria do Advogado, Porto Alegre 2014. p. 382. Comments are closed.
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