1 REFERÊNCIA JURISPRUDENCIAL
Superior Tribunal de Justiça. RHC 84.157/SP. Rel. Ministro Félix Fischer. QUINTA TURMA, julgado em 25/10/2005, DJ 21/11/2005, p. 261 Ementa do julgado: PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO INTERNACIONAL. NULIDADES. TROCA DE ADVOGADOS EM DATA PRÓXIMA AO INTERROGATÓRIO DO RÉU. ADIAMENTO DO ATO INDEFERIDO. SUPOSTO CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. ADVOGADOS QUE ATUARAM DESDE O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. RENÚNCIA POR APENAS CINCO MESES. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. AMPLO CONHECIMENTO DA CAUSA. LEITURA DA DENÚNCIA E ENTREVISTA PESSOAL COM O ADVOGADO ANTES DO INTERROGATÓRIO. DIREITO DE DEFESA TÉCNICA ASSEGURADO. SILÊNCIO DO RÉU. ESTRATÉGIA DEFENSIVA. DIREITO DE AUTODEFESA ASSEGURADO. SUSPENSÃO DO INTERROGATÓRIO. CARTAS PRECATÓRIAS PENDENTES PARA OITIVA DE TESTEMUNHAS DAS DEFESAS. DESNECESSIDADE. ART. 222, §§ 1º E 2º, DO CPP. PRECEDENTES. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO. I - Inviável a declaração de nulidade do interrogatório do recorrente em razão dos advogados constituídos terem reassumido sua defesa 4 (quatro) dias antes da realização do interrogatório. In casu, os patronos do recorrente tinham amplo conhecimento tanto do inquérito policial, cujo acesso obtiveram, inclusive, por meio de mandado de segurança, como da ação penal, que acompanharam desde o oferecimento da denúncia até a data da renúncia, considerando, ainda, que nada de relevante para a defesa do recorrente ocorreu no período de aproximadamente cinco meses em que estiveram afastados do caso a justificar o adiamento do ato. II - Ademais, foi assegurado ao recorrente, depois de tomar ciência das acusações (leitura integral da denúncia), entrevista pessoal com seu advogado, por meio de contato telefônico, não havendo que se falar em prejuízo à defesa técnica do acusado. De igual maneira, foi assegurado ao recorrente seu exercício de autodefesa, mas, por estratégia defensiva, optou por exercer seu direito de permanecer em silêncio durante o interrogatório. III - Conquanto seja recomendável que o interrogatório do acusado seja o último ato da instrução criminal, é possível a sua realização ainda que pendente de cumprimento carta precatória expedida para oitiva de testemunha da defesa, especialmente quando ela não é cumprida em prazo razoável, prejudicando a celeridade da ação penal de réu preso, nos termos do art. 222 do Código de Processo Penal. IV - "O fato de o acusado haver sido inquirido antes do retorno da deprecata referente ao depoimento de um dos ofendidos não implica ofensa à ordem prevista no artigo 400 da Lei Processual Penal, uma vez que os §§ 1º e 2º do artigo 222 do referido diploma legal disciplinam que, na hipótese de oitiva de testemunha que se encontra fora da jurisdição processante, a expedição da carta precatória não suspende a instrução criminal, razão pela qual o feito prosseguirá, em respeito ao princípio da celeridade processual, procedendo-se à oitiva das demais testemunhas, ao interrogatório do acusado e, inclusive, ao julgamento da causa, ainda que pendente a devolução da carta pelo juízo deprecado" (HC n. 388.688/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 17/04/2017, grifei). Recurso ordinário conhecido e não provido. 2 O CASO R. F. foi denunciado, juntamente com outras pessoas, pela prática dos delitos previstos nos artigos 33, caput, e 35 c/c artigo 40, incisos I e V, da Lei nº 11.343/06, por duas vezes, em concurso material. Teve a prisão preventiva decretada e respondeu ao processo penal preso. A defesa do paciente pleiteou ao juízo singular a redesignação de sua audiência para interrogatório, sob o fundamento de que com a entrada em vigor da Lei nº 11.719/08, o interrogatório passou a ser o último ato, devendo ocorrer após o retorno de carta precatória expedida. O juiz singular indeferiu o pleito, razão pela qual foi interposto Habeas Corpus ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o qual restou denegado sob os seguintes fundamentos: Não vislumbro efetivo prejuízo à defesa de Rodrigo Felício, em razão da realização do interrogatório previamente ao cumprimento de carta precatória expedida para oitiva de testemunha arrolada por um dos corréus. Não se pode olvidar que o interrogatório é o último ato de instrução e momento de autodefesa do acusado. Por outro lado, nos termos do artigo 222, §1º do CPP, a expedição de carta precatória não possui o condão de suspender a instrução criminal, sendo certo que, nas hipóteses em que a deprecata não é devolvida em prazo razoável, é possível que o feito prossiga, inclusive com a realização de julgamento, conforme preconiza o artigo 222, §2º do mesmo diploma legal. Ante a negativa, foi interposto Recurso ordinário em habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça, o qual restou desprovido. 3 OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO O relator do caso, Ministro Félix Fischer, fez remissões ao acórdão e às contrarrazões para negar provimento ao recurso, destacando que: No que tange à suposta nulidade absoluta decorrente da realização do interrogatório do recorrente antes do encerramento da colheita das demais provas orais, por estarem pendentes de cumprimento cartas precatórias expedidas para oitiva de testemunhas das defesas, razão também não assiste ao recorrente. Conquanto seja recomendável que o interrogatório do acusado seja o último ato da instrução criminal, é possível a sua realização ainda que pendente de cumprimento carta precatória expedida para oitiva de testemunha da defesa, especialmente quando ela não é cumprida em prazo razoável, prejudicando a celeridade da ação penal de réu preso, nos termos do art. 222 do Código de Processo Penal, in verbis:
Olvidando o debate sobre o princípio da ampla defesa e de forma muito sucinta, esta foi a fundamentação do acórdão. 4 PROBLEMATIZAÇÃO O Código de Processo Penal estipula no artigo 222, parágrafos 1º e 2º, que:
Por sua vez, o artigo 400 do Código de Processo Penal dispõe que:
Como se sabe, a Lei nº 11.719/2008 realizou uma progressiva afirmação do interrogatório como um meio preponderantemente de defesa. Com a redação do artigo 400 do CPP, o interrogatório passou ser realizado após a colheita de toda prova. Isto é, oacusado presta seu interrogatório após conhecer toda a prova realizada em audiência de instrução e julgamento, assim ele pode se contrapor a cada uma das colocações postas pelas testemunhas ouvidas em juízo. Esta mudança, das mais significativas do ordenamento processual, colocou o interrogatório no seu devido lugar na instrução processual, resguardando os direitos constitucionais positivados. Umainterpretação sistemática da Constituição da República não deixa dúvidas de que o ius persenquedideve ser orientado pelos princípios da ampla defesa e contraditório. Ao Ministério Público cabe produzir as provas e a defesa rebatê-las. Assim, impedir um acusado de conhecer o que foi ou venha a ser produzido contra si seria uma fraude à autodefesa. Como poderia este verificar o que é melhor, como estratégia de defesa, sem tomar conhecimento do que foi produzido: exercer autodefesa ou permanecer em silêncio? Mais do que um meio de prova, o interrogatório consiste num meio de defesa, esta é sua função primordial, possibilitar ao acusado a versão que lhe aparente ser a melhor. E, como meio de defesa, é inequívoco que sua inserção na ordem dos procedimentos deve ser após a inquirição das testemunhas. Outrossim, muito embora o artigo 222 do CPP afirme que a expedição de precatória não suspende a instrução, duas considerações devem ser feitas. A primeira, de que a redação do artigo é a mesma desde quando o CPP entrou em vigor, portanto anterior à Constituição Federal e a todos os princípios que foram positivados. Quanto à segunda, além do artigo 400 ser uma norma especial com relação ao artigo 222 (devendo prevalecer tão só por esse motivo), é de se destacar a literalidade daquele. Isto porque, o mesmo deixa claro que a expedição de carta precatória pode inverter a ordem da oitiva das testemunhas de acusação e defesa. A pendência do cumprimento de uma carta precatória, destinada à oitiva de uma testemunha de acusação, não impede que o magistrado colha o depoimento de testemunhas de defesa. A ressalva feita pelo artigo 400 do CPP à carta precatória se restringe à alteração de ordem de oitiva das testemunhas de acusação e defesa, não alcançando o interrogatório. A posição em que o trecho “ressalvado o disposto no art. 222 deste Código” foi colocado no artigo não deixa qualquer margem de dúvida sobre o que se afirma. Tem-se, assim, que à despeito da atual posição jurisprudencial, não existe razão para manutenção do interrogatório antes do retorno de carta precatória, seja para oitiva de testemunha de defesa, seja para oitiva de testemunha de acusação. A reforma de 2008 veio a se adequar ao princípio da ampla defesa, impedindo que qualquer acusado não saiba o teor das provas que serão apreciadas quando da sentença, razão pela qual a afirmação do julgado de que “é recomendável que o interrogatório seja o último ato” deve ser veementemente rebatida, pois não se pode afirmar que é recomendável se obedecer ao princípio da ampla defesa, mas sim uma condição necessária para que almeje um processo democrático. Iuri Victor Romero Machado Advogado Criminalista e Professor de Processo Penal Especialista em Direito e Processo Penal Especialista em Ciências Criminais e práticas de advocacia criminal Pós graduando em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |