1 REFERÊNCIA JURISPRUDENCIAL
Superior Tribunal de Justiça. RHC 18.272/RN. Rel. Ministro Félix Fischer. QUINTA TURMA, julgado em 25/10/2005, DJ 21/11/2005, p. 261 Ementa do julgado:
2 O CASO C.C.E.I foi denunciado, juntamente com outras pessoas, pela prática do delito previsto no artigo 121, § 2º, incs. I, II e IV, do Código Penal, c/c art. 1º, inc. I, da Lei nº 8.072/90, por fatos ocorridos nos Rio Grande do Norte. No curso de sua prisão preventiva, foi transferido ao Estado do Pará. Devido à transferência, fez um pedido ao juízo singular para retornar a sua cidade, o qual foi indeferido. Contra a a decisão, impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça do Estado Rio Grande do Norte, que denegou a ordem ali pleiteada. Por fim, interpôs o Recurso Ordinário em Habeas Corpus ao Superior Tribunal de Justiça, o qual foi conhecido e desprovido. 3 OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO O relator do caso, Ministro Félix Fischer, fez uma análise muito breve da situação do recorrente, utilizando-se de fundamentação per relationem para fundamentar o desprovimento do recurso. O Ministro inicialmente citou trecho da decisão do juízo singular:
E, depois, trecho do acórdão que denegou a ordem:
O Ministro concluiu seu voto afirmando que o preso tem o direito de permanecer próximo de sua família, mas que tal direito não seria absoluto e poderia ceder em casos devidamente fundamentados como o dos autos analisados. 4 PROBLEMATIZAÇÃO O presente artigo surgiu de indagações que foram feitas em virtude da prisão do ex-presidente Lula. As duas perguntas que se repetiram diziam respeito do porquê de Moro ser competente para fiscalizar sua execução provisória de pena e do porquê de Lula ter sido transferido à Curitiba. A primeira pergunta deve ser respondida de forma muito breve porquanto não é objeto em si do estudo. Apenas se faz necessário pontuar que a prisão cautelar e prisão pena têm fins distintos e que o mandado de prisão expedido em face de Lula é de uma prisão pena provisória. A competência para execução de penas em regimes iniciais semiaberto e fechado, de sentenças condenatórias oriundas da Justiça Federal, de presos que não estejam no Sistema Penitenciário Federal é da justiça estadual. Está expresso na Súmula 192 do Superior Tribunal de Justiça que “Compete ao Juízo das Execuções Penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração estadual”. Ademais, no Conflito de Competência 125.816/RN, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou sua jurisprudência, decidindo que presos recolhidos em estabelecimentos sujeito à Administração estadual devem ter sua execução de pena fiscalizada pela Justiça Estadual. De tal modo, tão logo Lula seja transferido ao Complexo Médico Penal, porquanto não pode permanecer na carceragem da Policia Federal, sua execução de pena deve ser distribuída a uma das Varas de Execuções Penais de Curitiba, inexistindo razão para que Moro continue a ter competência para apreciar o processo de execução. A segunda questão diz respeito ao motivo de Lula ter sido transferido à Curitiba. Aparentemente, inexiste um motivo idôneo para sua transferência que não seja a realização de sua audiência de custódia a ser presidida pelo Juiz Sérgio Moro, conforme previsto no artigo 13, parágrafo único da Resolução 213 do CNJ:
Mas, conforme se vê redação do artigo, a audiência de custódia poderia ser realizada em qualquer juízo, fato que nos leva aos fundamentos do artigo e a necessidade ou não de permanência de um condenado longe de sua família. É direito do preso cumprir pena perto de sua família? Tal questionamento demanda análise das funções da pena e dos fins previstos na Lei de Execução Penal. Com relação as funções da pena, existe grande debate doutrinário sobre quais seriam. Debate que decorre de análises retribucionistas, preventivas (gerais e especiais), agnósticas, criminológicas, dentre outras. Muitas delas acabam por diferencias as funções do direito penal com as funções da pena[1], recaindo num erro muito bem apontado por BUSATO. O autos leciona que o controle social do intolerável é a função do Direito Penal e, portanto, a função discursiva da existência da pena, concluindo que:
Tem-se, assim, que a pena deve resguardar o bem jurídico, o que parece não interferir no local de cumprimento de pena nas hipóteses em que não haja ações ilícitas por parte dos detentos (como no caso analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, no qual, mesmo de dentro da cadeia, os presos ameaçavam testemunhas). O artigo 1º da Lei de Execução Penal prevê “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. A harmônica integração do condenado deve ser lida sob o prisma da Constituição Federal, especialmente dos direitos fundamentais (art. 5º, XLVI), com os fundamentos (art. 1º, III,[3]) e com os objetivos da República Federativa do Brasil (art. 3º, I, III e IV). A integração da família do preso com ele é de vital importância para que o mesmo não sofra com o efeito dessocializador da prisão, pois é esta que vai recebê-lo quando da sua saída da penitenciária. A integração familiar traz maior estreitamento entre os presos e o mundo exterior à prisão, criando condições para uma maior reflexão acerca de sua vida e uma adequada resinserção social. Crime graves demandam privação de liberdade, mas não há razões para privar um condenado ao convívio mínimo familiar, proporcionado por visitas, assistência de material, alimentar, médica, dentre outras que ficariam prejudicadas quando o preso fosse mantido distante de seus familiares. À respeito, leciona Mirabete:
Sobre o direito do preso cumprir pena próximo à sua família, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná decidiu que:
Consoante se percebe, o direito do preso cumprir sua pena próximo à sua família decorre tanto da Constituição Federal, quanto do Código Penal e Lei de Execução Penal. Não é absoluto, mas para que seja restringido deve ocorrer uma hipótese excepcional. Salvo uma decisão devidamente motivada e justificada faticamente, não existe razão para permanência de Lula no Paraná, Estado no qual o mesmo não possui vínculos de nenhuma espécie, mas sim no presídio onde o mesmo tenha vínculos familiares e sociais. Nem mesmo o fato de responder a outros processos pode influir na sua manutenção aqui, pois que em liberdade nos demais. Assim, em resposta ao questionamento da necessidade de Lula permanecer em Curitiba, tem-se que, realizada a audiência de custódia, é seu direito ser transferido para seu Estado de origem e ao presídio que melhor atenda aos fins de não dessocialização e no qual se possibilite (ou não se dificulte) o acesso familiar. Iuri Victor Romero Machado Advogado Criminal e Professor de Processo Penal. Especialista em Direito e Processo Penal. Especialista em Ciências Criminais e práticas de advocacia criminal. Pós graduando em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUSATO, Paulo César. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Atlas, 2013. MIRABETE, Júlio Fabrinni. Execução penal. São Paulo: Atlas, 2000 [1] Por todos, veja-se NUCCI: “Não se pode pretender desvincular da pena o seu evidente objetivo de castigar quem cometeu um crime, cumprindo, pois, a meta do Estado de chamar a si o monopólio da punição, impedindo-se a vingança privada e suas desastrosas consequências, mas também contentando o inconsciente coletivo da sociedade em busca de justiça cada vez que se depara com lesão a um bem jurídico tutelado pelo direito penal. Por outro lado, reprimindo o criminoso, o Estado promove a prevenção geral positiva (demonstra a eficiência do Direito Penal, sua existência, legitimidade e validade) e geral negativa (intimida a quem pensa em delinquir, mas deixa de fazê-lo para não enfrentar as consequências decorrentes da punição) Quanto ao sentenciado, objetiva-se a prevenção individual positiva (reeducação e ressocialização, na medida do possível e da sua aceitação), bem como a prevenção individual negativa (recolhe-se, quando for o caso, o delinquente ao cárcere para que não torne a ferir outras vítimas).” [2] BUSATO, Paulo César. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Atlas, 2013, p. 811 [3] Veja-se a ADPF 347: “Não constitui demasia acentuar, por oportuno, que o princípio da dignidade da pessoa humana representa – considerada a centralidade desse postulado essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo, tal como tem reconhecido a jurisprudência desta Suprema Corte, cujas decisões, no ponto, refletem, com precisão, o próprio magistério da doutrina” [4] MIRABETE, Júlio Fabrinni. Execução penal. São Paulo: Atlas, 2000. p. 238. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |