O estudo e a discussão sobre dolo sempre existiu, mas ganhou ainda mais fama com a criação da teoria finalista de Hans Welzel.
Para Hans Welzel (criador da teoria finalista), conduta é ação (ou omissão) humana, consciente e voluntária, dirigida a um fim. Isto é, conduta é atividade com finalidade. Para ele, toda conduta é movida por uma finalidade, por isso, para a teoria finalista conduta é ação ou omissão dirigida a um fim. Sempre digo em sala que colocamos a leiteira no microondas para? Esquentar o leite, óbvio. Ou seja, coloquei a leiteira no microondas com finalidade. Esta finalidade (ou caráter final da ação) baseia-se no fato de que o homem, graças a seu saber causal, pode prever, dentro de certos limites, as consequências possíveis de sua conduta. Mas nem sempre foi assim. A teoria anterior à finalista chamava-se teoria naturalista (ou causal naturalista). Para ela conduta era apenas uma ação ou omissão, consciente e voluntária. Ou seja, a conduta era desprovida de finalidade. Com a criação da teoria finalista incluiu-se, então, finalidade na conduta. Welzel, incluiu na conduta um elemento subjetivo. Esta finalidade, existente em toda conduta, nada mais é do que o dolo do agente, isto é, seu desejo de agir em um ou em outro sentido. Trata-se do elemento subjetivo do tipo penal. O que Welzel fez, foi retirar o elemento subjetivo do crime (dolo ou culpa) da culpabilidade (último elemento do crime), transportando-o para o primeiro elemento do crime, chamado fato típico. Hoje, pós teoria finalista, o fato típico (primeiro elemento do crime) possui elementos objetivos e subjetivos (dolo ou culpa), como veremos agora. Segundo o conceito analítico de crime (conceito prevalecente), adotando-se a teoria tripartite, crime é fato típico, antijurídico (ou ilícito) e culpável. Já para a teoria bipartite, a culpabilidade não é elemento integrante do crime, mas mero pressuposto de aplicação da penal. Para esta teoria crime é um injusto penal, isto é, um fato típico e ilícito, apenas. A títuto de observação, importante lembrar que a punibilidade não é elemento do crime, mas sua consequência. Então como acabamos de ver, crime é a existência concomitante de um fato típico, ilícito e culpável. Ou seja, faltando algum destes elementos não há que se falar em crime. O fato típico é, como já dito, o primeiro elemento do crime. Mas este elemento também possui elementos, quais sejam, conduta, resultado, nexo causal e tipicidade. Ou seja, faltando algum destes elementos não há que se falar em fato típico e, consequentemente, não há que se falar em crime. Sabemos, então, que o primeiro elemento do crime (tanto para a teoria tripartite como para a teoria bipartite) é o fato típico, e o primeiro elemento do fato típico é a conduta. Conduta, segundo a teoria finalista, é uma ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a um fim. Podemos dizer, então, que a finalidade é o ânimo do agente no momento da conduta. Podemos dizer também que a finalidade é o próprio dolo do agente, isto é, é o elemento subjetivo do tipo. Mas, embora a finalidade esteja prevista no conceito de conduta, segundo a teoria finalista, à título didático, estudamos o dolo no último elemento do fato típico, na tipicidade. Sim, prevalece que o dolo está previsto na tipicidade, que é o último elemento do fato típico, naquilo que chamamos de tipicidade subjetiva, que nada mais é do que o ânimo do agente na prática do crime. Entretanto, dizer que o dolo está na conduta ou na tipicidade da na mesma, porque ambos são elementos do fato típico. Então, podemos dizer que o dolo está presente no fato típico, e é o elemento subjetivo do tipo. Vamos avançar agora para a tipicidade, que, como já dito, é o último elemento do fato típico. A tipicidade subdivide-se em tipicidade formal, material, objetiva e subjetiva. Não tratarei da tipicidade formal e material. Mas para entender o dolo, precisamos conhecer a tipicidade objetiva. Na tipicidade objetiva temos os elementos objetivos do tipo. Os elementos objetivos do tipo são os elementos essenciais perceptíveis do crime. São os elementos constitutivos do crime. Por exemplo, no crime de furto, seus elementos objetivos são “subtrair coisa alheia móvel”. Chamamos os elementos objetivos de elementos essenciais do tipo, pois que na ausência de algum desses elementos, ou o crime é desclassificado para outro, ou deixa de existir. Por exemplo, se eu retirar o elemento “coisa alheia” não há que se falar em furto, pois se a coisa for própria não há crime. Se eu retirar os elementos “violência ou grave ameaça” do roubo, teremos o crime de furto, por exemplo. Isto é, o crime de roubo será desclassificado para outro. Ou seja, os elementos objetivos do tipo são essenciais para a caracterização do crime. Mas porque dizemos ser essenciais perceptíveis. São perceptíveis pois podemos visualiza-los com nossos próprios sentidos. Eu sei o que é coisa alheia móvel e sua subtração é perceptível pelos sentidos. Mas não basta o preenchimento da tipicidade objetiva para existência do crime, isto é, não basta a realização dos elementos objetivos do tipo para caracterização do crime, exige-se também a existência da tipicidade subjetiva. A tipicidade subjetiva divide-se em dolo e culpa, mas vamos nos restringir apenas à análise do dolo. Dolo é a consciência e vontade do agente na realização dos elementos objetivos do tipo. Isto é, o dolo possui dois importantes elementos: cognitivo e volitivo. Segundo o art. 18, I, do CP, “diz-se o crime doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Para que se fale em crime doloso, exige-se a soma dos elementos “consciência e vontade” na realização do crime. Exige-se que o agente conheça na íntegra os elementos objetivos do tipo que está praticando e tenha vontade de praticá-los (com exceção do dolo eventual, como veremos adiante). A ausência desses elementos (consciência e vontade) configura aquilo que chamamos de erro de tipo, previsto no art. 20 do Código Penal. Isto é, se o agente tem falsa representação da realidade e acaba praticando os elementos objetivos do tipo sem vontade, por não conhecê-los na íntegra, não há que se falar em crime, pois não há dolo neste caso, posto que o agente, embora tenha preenchido todos os elementos objetivos do tipo, não preencheu seus elementos subjetivos (dolo ou culpa). Quando o agente erra sobre os fatos, isto é, tem falsa representação da realidade, e acaba praticando os elementos objetivos do tipo, não há que se falar em dolo, posto que o agente não conhecia na íntegra os fatos que estava praticando e, por isso, não possuía vontade de praticar o crime. Exemplo: um viajante se depara na esteira do aeroporto com uma mala igual a sua. Quando está saindo do aeroporto com esta mala é abordado pelo seu verdadeiro dono, que está acompanhado de policiais. Ao abrir a mala, percebe que realmente não é sua. O viajante praticou o crime de furto? Não. Por quê? Porque embora tenha preenchido todos os elementos objetivos do tipo (subtrair para si coisa alheia móvel), o agente não conhecia na íntegra os fatos que estava praticando e não tinha vontade de praticá-los. Ou seja, errou sobre os fatos. O erro de tipo quando inevitável/escusável/perdoável, exclui o dolo e a culpa do agente, mas, se o erro for evitável/inescusável/imperdoável, exclui-se o dolo, mas puni-se a culpa, se esta modalidade culposa estiver prevista em lei. Então perceba a relação existente entre tipicidade objetiva e subjetiva, bem como a importância da análise dos elementos do dolo (cognitivo e volitivo). O dolo possui duas teorias: teoria da vontade e teoria do assentimento. Para a teoria da vontade: dolo é consciência e vontade dirigida a um resultado. Para que uma conduta seja considerada dolosa, o agente deve ter consciência e vontade de praticá-la, bem como consciência e vontade de produzir um resultado. Esta teoria foi adotada pelo Código Penal em relação ao dolo direto. Segundo a Suprema Corte, a mera possibilidade de conhecimento dos elementos objetivos do tipo, o chamado conhecimento potencial, não basta para caracterizar o elemento cognitivo do dolo, pois o elemento cognitivo consiste no efetivo conhecimento de que o resultado poderá ocorrer, isto é, o efetivo conhecimento dos elementos integrantes do tipo objetivo. Importante destacar que de acordo com o art. 18, I, do CP, o dolo não possui como elemento a consciência da ilicitude, por isso é chamado de dolo natural e não mais dolo normativo. A consciência (potencial) da ilicitude é elemento da culpabilidade. Para a teoria do assentimento ou consentimento: exige-se a consciência ou previsão do resultado para que exista dolo, mas não se exige vontade dirigida à sua realização. Para que exista dolo, é suficiente o consentimento do agente, isto é, a assunção do risco de produzir um resultado. Esta teoria foi adotada pelo Código Penal em relação ao dolo eventual. Vamos agora ao estudo das espécies de dolo: A) Dolo direto (determinado ou imediato): o resultado produzido pelo agente é certo e determinado. Isto é, o agente prevê que sua conduta causará um resultado e a pratica desejando sua produção.
2. Dolo direto de segundo grau (dolo de consequências necessárias): há previsão de um resultado como consequência necessária do meio escolhido para alcançar o resultado desejado. Ou seja, o agente quer a produção de um determinado resultado, mas prevê, como consequência inevitável do meio escolhido, a produção de outro resultado, para atingir o fim proposto. Ex.: o agente, para matar seu inimigo (fim proposto), coloca uma bomba no avião em que ele se encontra, vindo a matar, além de seu inimigo (dolo direito de primeiro grau), todos os demais que estavam a bordo como consequência necessária do meio escolhido (dolo direto de segundo grau). Não confunda dolo direto de segundo grau com dolo eventual, pois que no primeiro o resultado é certo, como consequência necessária do meio escolhido, enquanto no segundo, o resulto é apenas possível. A confusão está no fato de que ambos os resultados são previstos. B) Dolo indireto (indeterminado): a vontade do agente não se dirigi a um resultado certo e determinado.
Ex.: o agente, para matar seu inimigo (fim proposto), efetua vários disparos de arma de fogo, prevendo que, além do seu desafeto, poderia atingir também um terceiro que estava ao lado. Mesmo assim, assume o risco de produzir outro resultado, efetua os disparos, acertando o seu inimigo (dolo direito de primeiro grau) e o terceiro inocente (dolo eventual). Segundo o STF, muito embora no dolo eventual o agente assuma o risco de produzir o resultado, na prática, essa assunção do risco não se extrai da mente do autor, mas sim das circunstancias do caso. C) Dolo alternativo: ocorre quando a vontade do agente se dirige a um ou outro resultado. Isto é, o agente quer produzir um resultado, mas este não é determinado. Ex.: o agente desfere golpe de faca na vítima com intenção alternativa: ferir ou matar. Este texto teve a finalidade de estudar, da forma mais didática possível, os aspetos mais relevante do elemento subjetivo do crime chamado dolo, com o objetivo de alcançar a melhor compreensão sobre os elementos e espécies deste instituto tão importante da disciplina de direito penal. Espero que tenha sido útil. Bons estudo à todos. Jeffrey Chiquini. Advogado criminalista. Especialista em Direito penal e Processual penal. Professor de Direito Penal e Processual Penal Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |