Comumente, na área jurídica, esquecemo-nos de algo extremamente importante, pensando na objetividade nos processos. Entretanto, torna-se necessário que, constantemente, tenhamos em mente um fator intrínseco ao ser humano: a subjetividade. Esse fator, por não ser concreto, acaba sendo deixado em segundo plano; mas, normalmente, é ele quem melhor explica algumas questões levantadas durante um caso.
De acordo com Pedrinha (2011), a subjetividade é algo aparente, ilusório e da ordem dos sentimentos, englobando o caráter de todos os fenômenos psíquicos, que são pessoais. A autora também menciona: “o sujeito é o tema, o assunto do discurso”. Com isso, é possível compreender que não se pode esquecer essa “peça” fundamental, que é justamente aquela da qual um sujeito é feito, ao considerar quaisquer envolvidos em um caso judicial. Sabendo que a construção da subjetividade é algo influenciado, principalmente, pela introdução do indivíduo ao mundo da linguagem, podemos traçar algumas reflexões acerca da comunicação, visto que é ela quem, atualmente, define o que é a realidade. Guareschi (2012) expõe alguns fatos levantados que procuram explicar essa situação: • A comunicação constrói a realidade: a realidade é o que existe, o que tem valor. Nos dias de hoje, algo passa a existir ou não se é mediado. Ou seja, algum fato só passa a existir se é transmitido por algum meio de comunicação. Nisso, podemos incluir as mais diversas formas que são tão comuns em nosso cotidiano: as redes sociais, jornais, propagandas, entre outros. • Conotação valorativa: a comunicação, de certa forma, traz algo que é bom, que tem valor. A não ser que seja dito expressamente o contrário, o que está na mídia é o que existe. As pessoas, por exemplo, se são vistas na mídia, são pessoas importantes, dignas de respeito. • É a mídia que determina a agenda de discussão. A grande parte dos assuntos discutidos na atualidade foram “jogados” pela mídia. Ela ainda acaba detendo o poder de excluir um assunto da pauta, ao decidir que ele não deva ser falado por determinada população. Assim, é possível que uma sociedade inteira não consiga conhecer algum problema ou questão, por ele nunca ter “existido” naquele lugar. • Por último e mais importante, ao questionar como tudo isso tem correspondência com a subjetividade a qual estamos tratando, é tomar como base o fato de que o ser humano é construído a partir das relações estabelecidas ao longo do tempo. Assim, vemos que um indivíduo, normalmente, relaciona-se primeiro com sua mãe, depois com seu pai, avós, colegas, entre outros e também com um personagem que não é mais novo, mas presente em boa parte dos lares brasileiros: a TV – assim como todos os demais aparatos que proporcionam o contato com a mídia (ou melhor, com aquilo que a mídia quer expor). Dessa forma, não há como ignorar estas duas constatações: a mídia tem o poder de estabelecer a pauta de assuntos (que serão parte da dita realidade) e ela age ativamente na formação da subjetividade de um sujeito. Portanto, atualmente, é um fator imprescindível ao procurar entender o ser humano, assim como a forma de ela apresentar-se para o mundo. Sabendo também que a subjetividade pode ser vista como a expressão daquilo em nós que se relaciona com as coisas e com o mundo, vemos que ela também captura uma relação com o tempo (PEDRINHA, 2011). Assim, após formada, continua em constante transformação, influenciando e sendo influenciada por tudo aquilo com o que se relaciona. Não podemos imaginar se seja algo imutável e, por conta disso, a maneira como nos colocamos perante a sociedade e perante o mundo também não serão fixos. Entretanto, conforme postulam Malcher & Deluchey (2016), as práticas do direito penal brasileiro atual e o discurso, ambos pautados no conceito de inimigo, refletem na admissão do tratamento punitivo a seres humanos privados da condição de pessoa, sendo, cada vez mais, um exercício discriminatório que divide sua clientela enquadrando-a na dicotomia cidadão/inimigo, ideia que está calcada no “perigo” e ou “risco” que representam aos cidadãos dentro do contrato social. Com isso também, observamos uma certa adequação da subjetividade, frente às descargas de informações postuladas através da comunicação, pois já vimos que tudo o que é veiculado acaba fazendo parte da realidade e é introjetado de forma a moldar um indivíduo. Nesse cenário, percebemos a construção da chamada subjetividade punitiva, que se dá através da projeção do medo em cima das questões do cotidiano, pois uma ameaça à estabilidade rotineira acaba fazendo com que um sujeito busque soluções rápidas e emergenciais, principalmente no campo da punição (PEDRINHA, 2016). Esse fenômeno tem uma grande influência da mídia, visto que é ela quem repete incessantemente crimes que chocam, veicula a violência com sensacionalismo, apresenta o temor social e imprime a necessidade de respostas pela sociedade, que, por sua vez, exige cada vez mais o recrudescimento das políticas criminais e da atuação policial (PEDRINHA, 2016). Isso ainda acaba por reforçar a ideia da dicotomia citada anteriormente, pois, ao que tudo indica, demonstra-se a ideia de que um combate eficaz à criminalidade seria algo associado às medidas punitivas mais rígidas, nem que isso custe a dignidade humana (MALCHER & DELUCHEY, 2016). Também sofremos uma avalanche de informações que já tem um determinado ideal, jogando dados que parecem ser decorrentes de estudos e percepções científicas, mas que aparecem escondendo sempre uma mesma face. Pedrinha (2016) destaca que a mídia apresenta postulados da Criminologia Positivista, que é baseada na percepção ontológica do criminoso e ontológica do delito, entendendo o crime como a qualidade do ato. Conforme ressalta o autor, “dessa maneira, não é o crime que gera o controle social, ao revés, o controle social é que o cria”. Vemos, então, como esse ciclo se completa: a linguagem, que é a porta de entrada na construção da subjetividade e também a base para a comunicação; a comunicação que é instrumento utilizado pela mídia para determinar assuntos e visões (influenciando fortemente no desenvolvimento humano), os quais fazem com que a maior parte da população tome atitudes e pense de maneira punitiva, exigindo ações que, cada vez mais, deixem de lado a dignidade e, consequentemente, a subjetividade humana. A comunicação, sendo parte essencial da formação de um indivíduo, tem uma parcela significativa de influência nos comportamentos e no posicionamento de um ser humano, quanto pessoa, cidadã, portadora de direitos e deveres. Entretanto, a vemos sendo usada de maneira mais destrutiva que construtiva, fazendo com que mais se retarde o pensamento em relação ao sujeito do que avance. Por consequência, as visões e tratamentos jurídicos sofrem esta influência também, engessando técnicas e pensamentos em detrimento de uma ideia global. Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GUARESCHI, Pedrinho A. Temas atuais em Psicologia Social. Revista Barbarói. v.36. ed. especial, jan./jun. 2012. Disponível em: < https://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/article/view/2916/2100>. Acesso em: 02 set. 2018. MALCHER, Farah de S.; DELUCHEY, François Yves. Crime e subjetividade: reflexão sobre os discursos e as práticas legitimadores do exercício discriminatório do Direito Penal. Revista de Ciências Criminológicas e Políticas Criminais. v.2, nº 2, jul/dez. 2016. Disponível em: < http://www.indexlaw.org/index.php/revistacpc/article/view/1458/pdf>. Acesso em: 02 set. 2018. PEDRINHA, Roberta Duboc. Política criminal em tempos de crise: a produção de subjetividade punitiva, a sociedade do trabalho, a produção de excluídos e a prática policial. Rev. Epos, Rio de Janeiro , v. 2, n. 1, jun. 2011. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2178-700X2011000100005&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 03 set. 2018. Comments are closed.
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