O abolicionismo penal “é uma prática de liberdade que soma experimentos”. De acordo com Edson Passetti, o abolicionismo “aproxima-se da corrente descriminalizadora visando à contenção da criminalização de novos comportamentos e alia-se à difusão das medidas de redução de danos”. A partir das reflexões libertárias de Louk Hulsman é possível compreender que o abolicionismo se apresenta como um caminho aberto às diversas soluções possíveis para a resolução dos conflitos sociais, as quais não deveriam ser excluídas de antemão em virtude da criminalização. A descriminalização de determinadas condutas pode, inclusive, revelar avanço democrático de uma determinada sociedade, conforme se depreende da lição de Hulsman:
Vera Regina Pereira de Andrade apresenta quatro variantes teóricas do abolicionismo: (a) a estruturalista de Michel Foucault; (b) a materialista de Thomas Mathiesen; (c) a fenomenológica de Louk Hulsman; (d) a fenomenológica histórica de Nils Christie. Contudo, não se pretende, através da vertente síntese, fazer uma análise minuciosa das variantes teóricas do abolicionismo, mas sim apresentar alguns dos elementos que o definem enquanto “prática libertária”. Em artigo intitulado “Dez Razões para a não Construção de mais Prisões” Thomas Mathiesen faz críticas pontuais às falhas do sistema punitivo, como base para o abolicionismo das prisões. As razões apontadas por Mathiesen são as seguintes: (a) ineficácia da função ressocializadora (dimensão preventiva especial positiva); (b) ineficácia da função preventiva geral; (c) ineficácia da função “incapacitadora” (dimensão preventiva especial negativa); (d) ausência de critério preciso de quantificação das penas, o que resulta em variações locais e temporais “injustas”; (e) irreversibilidade da construção de prisões; (f) insaciabilidade do sistema carcerário; (g) desumanidade do cárcere; (h) ruptura das prisões com os valores básicos de dignidade e respeito a direitos humanos; (i) despreocupação com as vítimas; (j) existência de respostas alternativas ao encarceramento. Nils Christie afirma, por sua vez, que “os maiores perigos do crime nas sociedades modernas não vêm dos próprios crimes, mas do fato de que a luta contra eles pode levar as sociedades a governos totalitários”. Este totalitarismo se revela sobretudo nas escolhas da criminalização. Afinal, o que exatamente deve ser criminalizado? Quais os critérios? Ao analisar estas questões, Hulsman sustenta a incoerência do discurso penal:
O que se percebe é que os pensadores abolicionistas se valem do discurso crítico que recai sobre o sistema penal (revelador de carência de legitimação e de efetibilidade), para sugerirem caminhos “libertários”, de superação da pena. Mathiesen apresenta duas proposições que resultariam numa diminuição significativa do sistema penal: a primeira consistente no “direcionamento de políticas sociais aos vulneráveis”, como forma de redução da desigualdade social e da pobreza o que, por consequência, diminuiria os crimes contra o patrimônio; a segunda consistente na “descriminalização das drogas”. Muito embora o abolicionismo divida opiniões, as proposições teóricas abolicionistas evidenciam as graves falhas do sistema penal e estimulam as reflexões alternativas. André Pontarolli Mestre em Direito Professor de Direito Penal e Criminologia Referências:
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Minimalismos, abolicionismos e eficientismo: a crise do sistema penal entre a deslegitimação e a expansão. Revista Sequência. n. 52. p. 163-182. Santa Catarina, 2006. CHRISTIE, Nils. A indústria do controle do crime: a caminho dos GULAGs em estilo ocidental. Tradução de Luis Leiria. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 05. HULSMAN, Louk; DE CELIS, Jacqueline Bernat. Penas perdidas: o sistema penal em questão. Tradução de Maria Lúcia Karam. 1. ed. Niterói: Luam, 1993. MATHIESEN, Thomas. Diez razones para no construir más cárceles. Revista Nueva Doctrina Penal. Traducción: Gabriel Ignácio Anitua y Marta Monclús Masó. n. 01. p. 03-20. Buenos Aires, 2005. PASSETTI, Edson. A atualidade do abolicionismo penal. In. PASSETTI, Edson [Organizador]. Curso livre de abolicionismo penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2012. PAVAN, Janaína Fernanda da Silva. O pensamento abolicionista como solução para o problema do encarceramento: utopia ou realidade? Revista Liberdades. n. 23. Setembro/Dezembro de 2016. IBCCRIM: São Paulo, 2016. p. 109 RODRIGUES, Thiago. Drogas, proibição e abolição das penas. In. PASSETTI, Edson. Curso livre de abolicionismo penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2012. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |