De manicômios judiciários à hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico: prisões ou hospitais?7/25/2018
Um crime nunca será só um crime. Seres humanos são trespassados por muitas variáveis e tem muitas facetas para imaginarmos que algo que os envolvam possa ser simples. Assim, um ato criminoso também terá diversos fatores e agentes que fazem com que ele aconteça e, em alguns casos, até seja perpetuado. Como nem tudo (ou melhor, nada) é “preto no branco”, existem peculiaridades que devem ser observadas em voltar o olhar tanto para as vítimas quanto para os acusados. Em relação a estes últimos, o que deve ser feito quando não estão em seu “perfeito” juízo? Como considerar e como “tratar” quem alega não detectar a diferença entre certo e errado?
Tais perguntas não são tão fáceis de serem respondidas, assim como o local em que a prática, normalmente, encaminha os que se enquadram neste cenário. Santana e Alves (2015) informam que os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, os antigos manicômios judiciais, criados no século XIX, tinham como objetivo receber criminosos considerados degenerados e monomaníacos, ou seja, pessoas que ofereciam algum tipo de ameaça às intenções e funcionamento da defesa social. A criação de instituições deste tipo, no Brasil, só ganhou destaque por conta das ideias decorrentes de um determinismo biológico da pessoa humana e também da necessidade de prevenção social e controle; assim, o manicômio transforma-se em um hospital dedicado ao tratamento e recuperação de pessoas, mas ainda sem deixar de lado a interferência do Estado, que mantém a prática de custodiar os internos para tratarem-se (SANTANA & ALVES, 2015). Assim, percebemos algo que Almeida (2013) descreve sobre a situação, comentando que, “deixando de ser interessante para o sistema, o louco passa a ser desprezado por ele” e, dessa forma, à apresentada a internação e, então, o encarceramento, que faz com que indivíduos menos favorecidos economicamente passem a ser segregados em locais já pré estabelecidos, como asilos, prisões e manicômios. Identificamos que o espaço é caracterizado estando além de uma simples instituição total, mas, também, uma prisão, que é mantida com grades, uso de algemas, presença da polícia para segurança externa e agentes penitenciários para realizar a guarda interna e ações punitivas (ALMEIDA, 2013). Aparentemente, não se distancia muito da realidade encontrada em cadeias comuns. Entretanto, sendo um local diferente, deve haver um tratamento diferenciado também, visto que a população encontrada em um não é a mesma presente no outro. Afinal, são hospitais ou são prisões? Qual é o papel de existirem e qual trabalho é realizado pelos que são responsáveis? Assumindo um caráter de presídio e de asilo, dupla vertente com o espaço prisional e asilar/ penitenciário e hospitalar, esse posicionamento dúbio interfere nos comportamentos profissionais, pois reforça objetivos opostos aos quais a meta primordial se refere, já que “para a prisão enviamos culpados e o hospital recebe inocentes” (SANTANA & ALVES, 2015). Não apenas àqueles de trabalham dentro dos MJ, mas para todos aqueles que possam vir a ter algum tipo de relação com tais instituições, a confusão em relação ao propósito se faz presente e pode ser um determinante ao decidir o destino de uma pessoa que está sob julgamento. Sabemos que nem todos os casos enquadram-se ao destino dos presídios regulares. Juridicamente, é previsto o fato de existirem pessoas que, pela condição de doentes mentais, não conseguem abstrair corretamente e entender se estão agindo em confronto com a lei e cometem delitos (RODRIGUES e BISPO, 2014). Tal parcela da população também deve passar por processos judiciais, mas seu destino deverá tomar rumos diferenciados, pois serão encaixados nas medidas de segurança, discorridas no Código Penal Brasileiro, que dispõe: Art. 96. As medidas de segurança são: I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II - Sujeição a tratamento ambulatorial. (BRASIL, Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Vemos que que, na teoria, existe a orientação para tratamento e isso se deve não apenas para benefício do indivíduo, mas para, principalmente, da sociedade, pois retira-o do convívio para que fique “recluso” em um local em que possa recuperar-se de maneira a não apresentar mais perigo para si ou para os outros. Dessa forma, as medidas são, na realidade, uma espécie de sanção penal, com o intuito de fazer com que doentes mentais que cometeram crimes não voltem a delinquir (RODRIGUES e BISPO, 2014). E, pautado nesta ideia, esses locais devem propor tratamento e atividades para reestabelecer os indivíduos que por elas são atendidos, a fim de comprovar-se a baixa da periculosidade. Entretanto, conforme Santana e Alves (2015), mesmo tendo a perspectiva de ser temporária, pode apresentar-se como uma exclusão definitiva, pois não são vistos projetos terapêuticos singulares, mas sim apenas a terapia medicamentosa, com o intuito de controlar os comportamentos indesejáveis. Novamente, vemos situações que não correspondem com o previsto. A rotina de um hospital deve visar a melhora, para que a alta seja realizada no tempo necessário para que o paciente possa retornar ao convívio de familiares, assim como para suas atividades cotidianas. Podem existir, obviamente, condições que inviabilizam isso, como a existência de transtornos mentais graves ou crônicos, que demandam um acompanhamento e tratamento constantes. Mesmo assim, pesquisas revelam que grande parte dos funcionários que atuam nesta área não acreditam na eficiência e eficácia dos tratamentos mantidos, cumprindo sua rotina com a administração de remédios, realizando perícias para atender ao Judiciário e colaborando com a vigilância, visto que os internos são submetidos à guarda permanente; sendo assim, os profissionais da saúde estão ali, quase que simbolicamente, mas sem espaço para que os pacientes possam se beneficiar com seus saberes e suas práticas (SANTANA e ALVES, 2015). Se os internos acabam sendo deixados para trás neste sentido, a sociedade também o será, por consequência. Já há projetos que procuram pensar neste cenário de maneira mais ampla, visando uma percepção melhor da realidade vivida no Brasil e adequando as práticas. Desde o início da consideração dos sujeitos mentalmente perturbados que cometeram crimes como indivíduos que demandavam não somente punição, mas tratamento, muitas avanços e melhorias podem ser notados. Identificamos que a perspectiva humanista objetiva alternativas que proporcionem a prevenção e a cura das doenças, embasando-se das políticas públicas (ALMEIDA, 2013). Portanto, conforme explicita Almeida (2013), é preciso que surjam serviços comunitários, inseridos nas pautas de agendas políticas, para viabilizar projetos alternativos que recomponham o “louco” enquanto sujeito de seu próprio destino. Dessa forma, poderiam ser evitadas diversas situações, anteriores à necessidade jurídica de punição e encaminhamento para hospitais de custódia e tratamento, visto que o funcionamento destes está aquém daquilo que seria ideal e necessário. Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Rui. ORDEM PSIQUIÁTRICA E DIREITO: A REFORMA LEGISLATIVA DE 2001 COMO UM NOVO PARADIGMA JURÍDICO EM POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE MENTAL. Monografia. Universidade Federal do Paraná. 2013. Disponível em: < https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/48811/R%20-%20E%20-%20RUI%20DE%20ALMEIDA.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 15 jul. 2018. BRASIL. Lei nº 7.209, de 11.7.1984. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art93. Acesso em: 20 jul. 2018. RODRIGUES, Myriam C. A.; BISPO, Kelen C. S. INCONSTITUCIONALIDADE DO ASPECTO ATEMPORAL DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA APLICADAS AOS DOENTES MENTAIS. Revista Raízes no Direito. n. 3. 2014. Disponível em: < http://periodicos.unievangelica.edu.br/index.php/raizesnodireito/article/view/1129>. Acesso em: 15 jul. 2018. SANTANA, Ana F. de A.; ALVES, Marília. Realidade de um manicômio judiciário na visão de profissionais: do tratamento à segregação. Revista Mineira de Enfermagem. V.19. n. 2. Abr/Jun 2015. Disponível em: <http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/1011>. Acesso em: 15 jul. 2018. Comments are closed.
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