Artigo de Gilson dos Santos no sala de aula criminal, vale a leitura! ''Assim, o aprendizado das subculturas criminais ganha especial importância, vez que o desviante não tão grave ganha de presente do Estado um curso completo, com direito a graduação, especialização lato sensu e strictu sensu no criminalidade. E o que dizer dos presos por práticas que poderiam ter sido abarcadas pelo Princípio da Bagatela?'' Por Gilson dos Santos O presente trabalho tem por objetivo sintetizar as impressões obtidas pela visualização e entendimento do documentário intitulado SEM PENA, (Puppo, E. 2014). De antemão, o que se consegue perceber é que, infelizmente, na mesma medida em que se encarcera, ocorre o aumento da criminalidade no país.
Se o sistema prisional realmente funcionasse, poderíamos ter um cenário de uma perceptível diminuição da violência como um todo. Não é isso que acontece! Na realidade, o que se percebe é que as cidades de interior que há alguns anos eram seguras, pacatas e faziam parte de uma realidade totalmente distinta dos grandes centros urbanos, hoje também vem sendo mapeadas pelo sistema de segurança como locais em que a criminalidade vem crescendo dia a dia. Tráfico de drogas, pequenos furtos, assaltos, roubos a bancos, assassinatos, violência contra a mulher, casos de racismo, execuções orquestradas por facções criminosas já não são exclusividade das grandes cidades. E embora o país encarcere muito, apesar de o Estado buscar dar a sensação de que o crime vem sendo punido e tentar dar a população motivos para acreditar que está segura, na verdade esta fórmula não vem funcionando. Além do mais, o sistema carcerário tem previsão legal da ressocialização como um dos objetivos da pena, mas não cumpre essa função e consegue apenas segregar indivíduos que cometem delitos. Sendo assim, o sistema carcerário não ressocializa, não reinsere, não reeduca, e não é indicativo de melhoria na segurança pública. E pior: pela ausência do Estado, pela incapacidade de se prover a garantia dos direitos básicos de quem está preso, ocorre que as facções criminosas se fortalecem todos os dias. Todo momento que alguém é levado ao cárcere, a cada novo integrante desta gigantesca população carcerária, possivelmente,mais um soldado incorpora às fileiras do crime organizado. É claro que não se pode falar de presos como se fosse necessário tratá-los como verdadeiros anjos, mas em meio a muitos deles, que são de fato culpados pelos delitos que lhes são imputados, há casos em que as prisões acabam ocorrendo calcadas não em provas, mas em apontamentos falhos de possíveis testemunhas ou das vítimas levadas ao erro na identificação. Desta forma, diversas situações nas quais ocorre a imputação da autoria de crime à pessoa diversa, a quem sequer estava na cena do delito, mas que acabam por ser inseridos no local por conta de mera descrição de características como roupas, cor do cabelo, calçado. Isso quando a descrição do suspeito e aquele que é apreendido não tem diferenças gritantes que acabam não sendo levadas em consideração quando da prisão, oferecimento da denúncia e ordenação da prisão preventiva, que aliás, pode durar anos, sem que o processo seja julgado. Presos por falsa comunicação de crimes que nunca ocorreram, como por exemplo, aqueles descritos na Lei Maria da Penha, que claro, foi um avanço social, mas que quando posta a serviço de más intenções pode colocar alguém em maus lençóis por mera atitude de vingança. E uma vez preso, o cidadão terá muita dificuldade de provar que é inocente, porque os instrumentos legais para sua defesa existem, são diversos, mas levam muito tempo para serem apreciados, e quando chega a vez do caso ser examinado o acusado pode ter passado tanto tempo na prisão, que a sua absolvição não lhe trará a redenção completa, porque já perdeu trabalho, relação com familiares, já deixou de passar tempo precioso com filhos, pais, irmãos. Além, é claro, do fato de que o egresso do sistema penitenciário, culpado ou inocente, aqui do lado de fora, é culpado. Sempre! Porque irá carregar consigo a marca, a etiqueta social de quem foi preso. Dificilmente poderá ser reinserido, provavelmente não encontrará emprego e viverá sob a vigilância das autoridades, mesmo após ter cumprido sua pena. Não se pode deixar de tocar no assunto do tráfico de drogas! Afinal, a gigantesca maioria das pessoas que estão encarceradas foi enquadrada na Lei Antidrogas. Independente de serem traficantes internacionais, perigosos e que articulam valores exorbitantes advindos da prática ilícita, ou de serem, traficantes do tipo “peixe pequeno”, ou ainda, usuários, viciados que vivem nas “biqueiras”, o enquadramento legal, resguardadas as devidas proporções, coloca todos os envolvidos nesta prática no mesmo nível. Por isso, os presídios estão lotados de pessoas que foram flagradas com pequena quantidade de drogas, aos quais poderia ter sido admitido o disposto no artigo 28 da Lei 11.343/2006 (Brasil, 2006). É claro, que não se pode fechar os olhos aos efeitos colaterais do tráfico de drogas que acabam por refletir em ocorrências que vão de pequenos furtos, à roubos, à rede de lavagem de dinheiro, crime organizado, dentre outros. E ainda, não se pode encarar a questão das drogas de forma tão inocente a ponto de se fechar os olhos ao problema de saúde pública que elas ajudam a tornar ainda maior. As drogas são sim um grande problema da sociedade! Mas ao lembrar das fases do Labeling Approach, tem-se a noção de que as chamadas drogas são proibidas em todo território nacional, porém, muitas outras substâncias, ditas lícitas fazem também enorme estrago social e são tidas como socialmente aceitas. O que faz também lembrar um trecho da canção de Gabriel o Pensador ao contar a saga do índio que acendia o seu cachimbo da paz: “Foi mandado pro presídio e, no caminho Assistiu um acidente provocado por excesso de cerveja Uma jovem que bebeu demais Atropelou um padre e os noivos na porta da igreja E, pro índio, nada mais faz sentido Com tantas drogas, por que só o seu cachimbo é proibido? “ (Pensador, 2021). Os presídios brasileiros são verdadeiras masmorras, abarrotadas de gente, em condições degradantes, com pessoas que lá são “guardadas” e que muitas vezes cometeram delitos não tão graves que poderiam ter sido sanados através do Princípio da Subsidiariedade, ou ainda, da Intervenção Mínima. Esses desviantes não tão graves passam a viver uma vida de revolta, pelo fato de que embora possam ser culpados pelos seus delitos, são nivelados igualmente com matadores de aluguel, estupradores, e toda sorte de crimes hediondos. Como resultado desse nivelamento, e também da morosidade do judiciário, o documentário nos mostra que o sentimento de revolta acaba por abarcar aquelas pessoas, que leia-se, não eram santos, mas também não eram demônios, levando-os definitivamente à identificar-se com os verdadeiros criminosos, e assim, com eles criarem laços, passar a admirá-los, e claro, a imitá-los. Assim, o aprendizado das subculturas criminais ganha especial importância, vez que o desviante não tão grave ganha de presente do Estado um curso completo, com direito a graduação, especialização lato sensu e strictu sensu no criminalidade. E o que dizer dos presos por práticas que poderiam ter sido abarcadas pelo Princípio da Bagatela? Pessoas encarceradas por terem furtado itens cujo valor financeiro era muito baixo, como xampu, bebidas alcoólicas, dentre outros? Mas que foram condenados não à restituição do valor indicado do prejuízo, e sim à perda da liberdade. Tão grande é o ócio na vida dos presos que só lhe resta aprender a variar sua gama de golpes, malandragens e atitudes violentas. Aliás, chama muito a atenção o relato do detento que era justamente um policial militar. Praticante de atos de falsificação de veículos e documentos, acabou indo parar no presídio e lá, acabou por encontrar pessoas a quem ele havia dado voz de prisão. No seu relato, o ex-policial fala da cultura de violência das corporações contra pessoas por conta da sua classe social, cor de pele, e também por conta de comportamentos que agora, vivenciando na pele a realidade de pessoas que hoje são seus companheiros de detenção, acredita que não eram comportamentos tão nocivos à sociedade, e que a maneira como tratava as pessoas era truculenta e preconceituosa. O documentário também nos traz o relato de uma familiar de um detento que fala a respeito do tratamento desrespeitoso e até mesmo maldoso que a família do preso recebe. Verdadeiro exercício de paciência e resignação é feito por aqueles que passam horas em uma fila para poder ter algum tempo de visita, mas não antes de serem olhados com desconfiança, tratados com se marginais fossem, e tendo que suportar a mudança sem critério algum de regras que se aplicam para uns e não se aplicam para outros. O familiar de preso, de certa forma acaba por pagar uma parte da pena junto com ele! Sem falar, é claro, das vexatórias visitas íntimas. Não se esquecendo que há que se pensar na vigilância do que entra nos presídios como drogas e celulares, objeto inevitável de atenção dos agentes. E para finalizar, o documentário nos mostra os casos em que as pessoas acabam por ficar presas por conta de não poder pagar a fiança arbitrada, mesmo nos casos em que o furto tenha sido de coisas de valor muito baixo. Se a pessoa, por mais errada que esteja quando chega ao ponto de furtar algo para comer, o que aliás pode ser interpretado sob a égide dos arts. 23 e 24 do Código Penal (Brasil, 2017), mas como se não bastasse ainda recebe a “opção” de pagar fiança e não ser enviada ao cárcere! Que bondade do judiciário! Enfim, o documentário joga diversas sementes no pensamento crítico de quem queira ao menos tentar olhar o Direito Penal com olhos de humanidade, sem perder de vista a necessidade de não se deixar a sociedade se tornar uma anarquia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Brasil. (2006). LEI No 11.343 - Lei de Drogas. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm Brasil. (2017). Decreto-Lei no 2.848/1940 - Código Penal (S. Federal (ed.)). http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm Eugênio Puppo. (2014). Sem Pena - COMPLETO - YouTube. 02/10/2014. https://www.youtube.com/watch?v=b6RDgB8GVW8 Pensador, G. o. (2021). Cachimbo da Paz. https://www.letras.mus.br/gabriel-pensador/46096/ GILSON DOS SANTOS Graduação em Sistemas de Informação pela UnC Canoinhas em 2005 Pós Graduado em Novas Tecnologias Educacionais pela Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras – FACEL Pós Graduado no MBA Gestão de Negócios Internacionais pela Associação Brasileira de Comércio Exterior - ABRACOMEX Servidor Público do Município de Canoinhas – Desenvolvendo atividades na área do Serviço Militar Cursando a 3ª Fase do Curso de Direito na UnC Campus Canoinhas
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