O princípio da insignificância nos crimes fiscais e a aplicabilidade nos crimes patrimoniais.3/20/2018
Este escrito tem por finalidade realizar um contraponto e uma abertura para discussão (ficando uma pergunta em aberto) em relação aos crimes “comuns” empregados sem violência (como furto e outros tipos penais descritos no código penal) e os crimes fiscais, com enfoque na incidência no principio da insignificância e as consequências jurídicas que tais situações provocam na coletividade.
Antes de entrar ao mérito, indispensável lembrar que o Brasil sempre figura nos primeiros colocados entre países com a maior carga tributária no mundo com menor retribuição social derivada dos rendimentos pagos ao Estado. Isso afeta visivelmente as questões tributárias, em especial às fontes de arrecadação que se multiplicam em diversos tributos e a consequente sonegação dos mesmos ante o controle ineficaz que muitas vezes o Estado tem. Além disso, as questões relativas ao funcionamento do Estado são prejudicadas, vindo assim a serem adotadas medidas penais na tentativa de inibir as condutas ilegais pela escusa do devido pagamento dos tributos. Esta é sem dúvida a motivação estatal para reaver bens e valores que entenda ser devido, utilizando-se para isso a maior coerção que o Estado possui, o Direito Penal e a cominação de suas penas ao agente infrator. A análise, neste texto, também visa determinar a diferença abismal estabelecida nos casos onde o interesse do Estado está em garantir o combustível para seu funcionamento, estabelecendo penas privativas de liberdade nos crimes econômicos, confronta-se com o interesse do Estado em punir crimes mais corriqueiros, que por vezes possuem valoração de pena menor do que de alguns crimes fiscais, mas são julgados sob a ótica subjetiva de uma ameaça ao estado e da garantia da ordem pública. Conforme veiculou-se nas ultimas semanas, recentemente o STJ reviu o tema 157 dos recursos repetitivos, majorando de R$ 10.000,00 para R$ 20.000,00 o valor para incidência do principio da insignificância, em relação aos crimes tributários federais e de descaminho, alinhando-se assim com a jurisprudência do STF. Na prática, isto quer dizer que crimes tributários e o crime de descaminho (337-A do CP) quando o objeto valorado (tributo) apresentar soma inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais) aplicar-se-á o principio da insignificância, atingindo assim a tipicidade material do delito, mesmo que se tenha caracterizada a questão formal da conduta delitiva, verificada pelo ajuste de uma conduta praticada, ao menos em tese, aos elementos do tipo legal de um determinado crime. Evidenciada a mera coincidência formal entre o fato real da vida e a hipótese abstrata expressa na lei penal, o fato é considerado formalmente típico. Contudo, não basta a mera coincidência formal entre o fato na realidade e a hipótese abstrata da lei penal para considerar-se o fato típico. Deve, também, a conduta do acusado ser concretamente lesiva ao bem jurídico tutelado, desprezando-se do âmbito penal condutas irrelevantes, ou que não ofendem bem jurídicos. Neste diapasão, a ação a ser considerada pode ser formalmente típica, porém é materialmente atípica, dada a inexistência de lesão ao bem jurídico. Como dito no inicio, aqui não cabe avaliar se a decisão no STJ quedou-se positiva ou negativa nas questões do ilícito tributário, mas sim uma breve comparação entre a aplicação do principio da insignificância nesses casos e a (falta) da aplicação do mesmo principio quando se trata de crimes diversos, tai como o furto, receptação e outros. Quando estamos tratando dos crimes fiscais e do descaminho, diga-se, o que é o objeto jurídico tutelado é a ordem tributária e a administração do erário público[1], isso é, justamente o tributo (ou a falta de pagamento do mesmo) é que é o objeto fim desta proteção. Assim, a entrada de mercadorias sem o recolhimento dos tributos devidos é o que configura a atividade delituosa (a exemplo do descrito no artigo 334, CP). Contudo, o objeto a qual recai a conduta é o montante não pago ao Fisco. Assim, quando da aplicação do principio da insignificância, não está se falando do valor da mercadoria (mercadorias avaliadas em R$ 20.000,00 por exemplo) e sim no valor do tributo que não foi recolhido (o patamar de R$ 20.000,00 se refere ao valor teto para aplicação do principio da insignificância). Assim, para que o agente deixe de recolher/pagar/declarar uma quantia expressiva de até R$ 20.000,00 em tributos, tem-se que o valor global da mercadoria, ganho de capital ou qualquer outro fato gerador do tributo é expressivamente maior, sendo que o tributo corresponde tão somente a um percentual desta mercadoria. Assim, grandes quantidades de materiais podem ser desviados ou adentrar ao território brasileiro ou não serem declarados para que enseje um valor de tributo de até R$ 20.000,00. E se faz necessária tal abordagem, pois, comumente, veem-se denúncias brotando às milhares por todo Brasil, instigando a persecução penal em relação a crimes patrimoniais em que não fora empregada qualquer tipo de violência, onde os valores são pífios (R$ 50, R$ 100,00 etc) se considerados os patamares estabelecidos nos julgados dos crimes tributários. Como não há uma homogeneidade em relação à aplicação do princípio da insignificância nestes crimes (furto, receptação, etc), isto é, não há um critério objetivo que determine a aplicabilidade deste principio, faz crescer um distanciamento penal e um tratamento desigual em relação às condutas que atentam contra o patrimônio individual e as consequências jurídicas que são provocadas nos crimes fiscais que atentam contra a administração pública e o erário, já que os crimes fiscais são tão (ou mais) nocivos à coletividade que crimes patrimoniais sem violência e de pequena monta. Ainda, mister ressaltar que os crimes fiscais e o descaminho atingem o âmago da sociedade, pois ao atingir os cofres estatais, o mesmo deixa de receber os valores que hão de movimentar a maquina pública, e como consequência, toda sociedade deixa de receber os serviços que o Estado deveria oferecer, aumentando ainda mais a desigualdade e os abismos sociais que o Brasil possui. O STJ já havia em 2014, explanado julgamento que coadunava com o entendimento da desproporcionalidade entre o principio da insignificância nos crimes fiscais e de descaminho e os crimes contra o patrimônio (quando não presente a questão de grave ameaça/violência), conforme se vê: 2. Semelhante esforço interpretativo, a par de materializar, entre os jurisdicionados, tratamento penal desigual e desproporcional, se considerada a jurisprudência usualmente aplicável aos autores de crimes contra o patrimônio, consubstancia, na prática, sistemática impunidade de autores de crimes graves, decorrentes de burla ao pagamento de tributos devidos em virtude de importação clandestina de mercadorias, amiúde associada a outras ilicitudes graves (como corrupção, ativa e passiva, e prevaricação) e que importam em considerável prejuízo ao erário e, indiretamente, à coletividade[2] A questão da aplicabilidade do principio discutido gera controvérsias há algum tempo, pois em que pese as decisões judiciais já estivessem aplicando anteriormente o critério de “insignificante” para os crimes fiscais onde o valor suprimido fosse inferior a R$ 10.000,00, a majoração desse valor base se iniciou no âmbito administrativo, por meio de portaria do Ministério da Fazenda. Ou seja, o Ministério decidia o que iria ou não a juízo, estabelecendo patamar para as execuções fiscais. Entretanto, essa colisão entre a parte administrativa e a necessidade de avaliação judicial sobre a conduta tida como ilícita é o que fez os tribunais (neste caso o STJ) se amoldarem a um valor comum para aplicação do principio da insignificância. Assim passou a ficar a Tese 157, STJ: Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. Segundo a Lei 10.522/2002: Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). (Redação dada pela Lei nº 11.033, de 2004) Diz a Portaria 75 do Ministério da Fazenda (março 2012) Art. 1º Determinar: I - a não inscrição na Dívida Ativa da União de débito de um mesmo devedor com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais); e II - o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Portaria 130 MF (abril 2012) Art. 2º O Procurador da Fazenda Nacional requererá o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), desde que não conste dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do crédito. Ressalte-se que o STF já estava aplicando este entendimento, derivado justamente das portarias acima descritas. Assim, no intuito de se evitar mais recursos subindo ao Supremo Tribunal é que se fez necessário o alinhamento do STJ. Entretanto, a questão central é: Por que pode se aplicar objetivamente o principio da insignificância a valores tão altos e deixar de aplicar o mesmo principio quando se trata de condutas criminosas patrimoniais mais comum? É uma dúvida quase impossível (ou que parece ser muito difícil de ser conclusiva de maneira objetiva) para ser respondida sem profundo debate. Na prática, o princípio da insignificância para crimes como furto ou receptação (pelo menos no primeiro grau de jurisdição) é de uma difícil aplicabilidade. Os fundamentos são diversos no intuito condenatório, onde sequer leva-se em conta o valor do objeto, apurando-se tão somente a conduta descrita, ensejando condenações desproporcionais e tratamento penal desigual quando comparados a crimes que podem ser considerados graves, como sonegação fiscal, descaminho e outros, já que muitas vezes estas condutas estão ligadas a outros tipos, como corrupção e lavagem de dinheiro. Paulo Eduardo Polomanei de Oliveira Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Empresarial REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA [1] BITENCOURT, Cezar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 34-35. [2] REsp n. 1.401.424/PR (Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz) de 12/11/2014. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BITENCOURT, Cezar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Saraiva, 2013 Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico: Disponível em https://www.oecd.org/ctp/tax-global/brazil_pt_country%20note_final.pdf REsp nº 1709029- Relator: Min Sebastião Reis Júnior REsp nº 1688878 / SP- Relator: Min. Sebastião Reis Júnior REsp n. 1.401.424/PR (Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz) de 12/11/2014 Comments are closed.
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