Adolf Hitler (1889-1945), nascido na cidade de Brunau, no Império Austro-Húngaro, mudou-se para a Alemanha em 1913. Lá serviu no exército alemão durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Após à guerra, em 1919, uniu-se ao recém-criado Partido dos Trabalhadores Alemães. Em 1920 o partido foi transformado em Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, mais conhecido como partido nazista, do qual se tornou líder em 1921. Em 1923 organizou um golpe de estado que fracassou razão pela qual foi preso até 1924[1].
Nos anos seguintes uma crise econômica, derivada da perda da guerra e aprofundada pela crise econômica de 1929, assolou o país. Nas eleições de 1932, Hitler perdeu, mas recebeu 35% dos votos. A população desiludida com a miséria cotidiana foi parcialmente conquistada pelo discurso messiânico. Pela quantidade de votos, ainda que hesitante, o presidente eleito, Paul von Hindenburg (1847-1934), comandante do Exército Imperial Alemão na Primeira Guerra, nomeou Hitler para o cargo de chanceler do Reichem 30 de janeiro de 1933[2]. Aproveitando-se do cargo de chanceler, Hitler decretou a suspensão de direitos básicos, autorizou detenções sem julgamento, arquitetou a lei de concessão de plenos poderes, que atribuiu poderes legislativos ao gabinete do chanceler por quatro anos e permitiu elaborar alterações na Constituição de Weimar, dentre as quais a alteração do art. 48, § 2º, que permitiu a suspensão dos direitos e transformou os corpos biológicos em propriedade do regime que perdurou por doze anos[3], bem como tomou uma série de medidas antissemitas[4]. Ainda no ano de 1933, em 1º de abril boicotou lojas e profissionais liberais judeus, em 10 de abril substituiu o critério de nacionalidade pelo de raça, em 10 de maio queimou livros de autores judeus em frente à Universidade Humboldt de Berlim e em 14 de julho foi aprovada uma lei de privação da nacionalidade alemã aos judeus, bem como o confisco dos bens daqueles que deixaram de ser judeus[5], também nessa data aboliu todos os partidos[6]. Tudo isso foi feito por Hitler, por meio dos poderes legislativos incorporados ao gabinete dele. O presidente Paul von Hindenburg faleceu em 2 de agosto de 1934. Na noite anterior ao falecimento de Hindenburg, Hitler havia aprovado uma lei que aboliu os poderes do presidente e os atribuiu integralmente ao cargo de chanceler, tornando-se chefe de estado, de governo e, consequentemente, das forças armadas alemãs[7], as quais utilizou no intento de exterminar os judeus e edificar um império mundial sobre os escombros da guerra. Durante o exercício do cargo de Führer, que conquistou com a morte de Hindenburg e por meio do golpe de estado perpetrado para usurpar as funções do presidente, Hitler celebrou acordos de não agressão com países próximos, iniciando pela Polônia, que não apresentava ameaça à Alemanha. Esses acordos tinham a finalidade estratégica de apresentar a Alemanha como um país pacífico e aliado das nações europeias. Contudo, em 1º de setembro de 1939, o exército nazista realizou um ataque relâmpago (blietzkrieg) à Polônia. No dia 3 de setembro, a França e a Grã-Bretanha, com quem a Polônia tinha um pacto de intervenção para casos de ameaça, declararam guerra contra a Alemanha. Outras invasões foram realizadas, a capital, Varsóvia, foi destruída e, pouco mais de um mês após a primeira invasão, a Polônia foi ocupada pelos alemães[8]. No território polonês, os alemães iniciaram a construção dos campos de concentração,dentre eles os cem campos na região de Auschwitz. Foram aproximadamente cem campos de concentração espalhados pelo gélido território polonês. Em 1940 os primeiros campos em território polonês estavam prontos. Havia dois tipos de campos de concentração, os campos de trabalho forçado e os campos de extermínio. Os campos de trabalho forçado eram uma espécie de parceria público-privada, encomendados ao partido nazista por empresas que desejavam expandir os negócios. Os campos eram construídos, os presos eram conduzidos para lá e obrigados a trabalhar em jornadas extenuantes de até 12 horas diárias. Recebiam alimentação em quantidade e qualidade inferiores às necessidades, eram privados do convívio com os familiares e expostos às intempéries climáticas usando roupas de algodão, com poucos cobertores e amontoados em alojamentos abarrotados de pessoas, com camas de palha, poucos cobertores e dormindo em duas ou três pessoas por cama. As empresas pagavam um valor ao estado nazista pelo trabalho realizado. Esse valor era repassado em ínfima parte aos trabalhadores, parte significativa era utilizada para o custeio das operações nos campos de concentração. Dentre essas empresas, estava a fábrica de borracha Buna, para a qual trabalharam os funcionários presos no campo de Monowitz, na região de Auschwitz. Os campos de extermínio eram fábricas da morte nos quais, após a triagem de crianças, mulheres, idosos e indivíduos aptos ao trabalho, eram conduzidos a supostos banheiros coletivos para higienização. Assim, entravam numa antessala na qual aguardavam, depois eram direcionados à sala do banho na qual eram trancafiados e envenenados com zyklon B, pesticida produzido e comercializado pela IG Farben, posteriormente dividida em empresas menores, dentre as quais a Bayer. Depois de mortos, os corpos eram revistados com a finalidade de espoliar quaisquer objetos de valor que estivessem com os cadáveres, sobretudo dentes de ouro. Por fim, os corpos eram cremados em fornos construídos por uma empresa de panificação e as cinzas eram utilizadas como adubo nas hortas, para aterrar pântanos ou jogadas fora. Alguns corpos eram destinados à fabricação de couroe de sabão. Para os campos foram levados três grupos de pessoas. Um grupo era formado por presos comuns, considerados perigosos. Outro era formado pelos opositores políticos, considerados presos políticos e detentores de alguns privilégios, dentre os quais também estavam os prisioneiros de guerra. O terceiro grupo era formado pelos judeus de todas as nacionalidades. Todos os que chegaram lá haviam passado por condições extremas de dificuldades e, por isso, estavam sem condições físicas e/ou psíquicas de resistir às atrocidades. Dentre as condições estavam os refúgios e a vida nos guetos das grandes cidades. Chegando ao local, os presos eram separados entre os aptos para o trabalho e os inaptos para o trabalho. Aproximadamente uma pessoa a cada cinco era considerada apto para o trabalho. As demais eram enviadas diretamente para as câmaras de gás. Muitas das sobreviventes à primeira seleção não resistiram ao período de trabalho forçado. A alimentação fornecida era inferior às necessidades básicas. Um comércio negro e paralelo, punível com a morte, foi instalado no campo e permitiu a sobrevivência de alguns. Itens básicos, como calçados, roupas e talheres não eram distribuídos, embora toneladas desses itens tenham sido encontrados nos depósitos dos campos de concentração após o fim da guerra. Os campos eram máquinas de produção de subjetividade, os presos eram separados das condições individuais e pessoais das quais usufruíram no exterior. Recebiam obrigações a desempenhar no interior dos campos. Noutros termos, os campos conformavam um modo de vida reproduzido no âmbito interior, num misto de legalidades, ilegalidades, tolerâncias e intolerâncias. Os presos não sabiam discernir as ordens dos chefes de serviço (kapos, escolhidos dentre os presos para delatar e organizar os presos), as ordens dos membros da tropa de proteção (Schutzstaffelou SS), as ordens de Hitler e as leis. Só sabiam que deviam cumprir as ordens, fato que a maioria dos presos só aprendia apanhando ou com prisioneiros mais antigos, porque não havia orientações e o idioma alemão era uma barreira intransponível para a maioria. Os presos sobreviviam como animais acuados. Alguns delatavam, outros colaboravam, muitos se omitiam e poucos se rebelavam. A rebelião era punida com a morte. Dentre os colaboradores, além dos kaposhavia os auxiliares dos kapos, que almejavam o cargo de kapo, e os membros do sonderkommando, responsáveis por operar as câmaras de gás e cremar os cadáveres. Os membros do sonderkommandoeram outros presos que aceitavam matar os demais pela promessa de salvação. Na verdade, meses depois eram também exterminados como perigosas testemunhas que não podiam escapar para contar ao mundo o que ocorreu. Os presos foram libertados dos campos de concentração conforme avançou a investida contra os alemães, entre o fim de 1944 e meados de 1945. Apesar disso, muitos ficaram em campos de transição, dentre os quais vários morreram. Os sobreviventes levaram meses para retornar para casa, como aconteceu com o judeu italiano Primo Levi (1919-1987), uma das principais testemunhas dos campos de concentração, que foi libertado em 27 de janeiro de 1945, mas só conseguiu retornar a Turim em 19 de outubro daquele ano. Durante esse tempo, transitou pela Polônia, pela Áustria, pela Hungria, pela Alemanha e pela Itália[9]. Existem diversas estimativas da quantidade de mortos nos campos, de quatro a nove milhões. Dentre essas estimativas, está a de que aproximadamente dois terços dos nove milhões de judeus foram exterminados pelos nazistas, não só nos campos de concentração, mas sobretudo lá. Essas considerações colocam em xeque a possibilidade de racionalização do exercício do poder, pretendida com a criação do estado moderno. Licitude e ilicitude parecem coexistir e, mais do que isso, são complementares. Nessa direção, o filósofo italiano Giorgio Agamben (1942...) afirma que o campo de concentração constitui o paradigma contemporâneo. Isso não significa que vivemos em campos de concentração, mas que as relações de poder e as práticas discursivas em torno das relações de poder se estruturam do mesmo modo que as relações de poder havidas nos campos de concentração. Ou, ainda nessa perspectiva, o modo de dessubjetivação promovido pelo modo de vida contemporâneo vinculado à lógica econômica do crédito e do débito transforma a todos os seres humanos em homini sacri, matáveis na dinâmica de plena produção e consumo, mas não sacrificáveis. Para Agamben, na esteira das reflexões da filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975), o que se apresenta com toda a contundência a partir dos campos de concentração é o fato de que a vida biológica dos indivíduos se tornou propriedade do Estado que no exercício de seu poder soberano tem a prerrogativa de fazer viver ou deixar morrer. É nessa direção, que o campo de concentração se apresenta como o paradigma ontológico da contemporaneidade, na medida em que produz diuturnamente vida nua, vida desprovida de direitos, e sob tal condição submetida a constante insegurança jurídica a partir dos interesses estratégicos do Estado no exercício de seu poder soberano. Lembremo-nos, ainda, do argumento do sociólogo polonês Zygmut Bauman (1925-2017), expresso de forma lapidar em sua obra, publicada em 1989, intitulada: “Modernidade e Holocausto”, em que chama atenção para o fato de que a racionalidade instrumental que produziu os campos de concentração continua vigente em nosso meio. A ausência de reflexão acerca do conhecimento facilita, senão reforça essa racionalidade instrumental. No caso específico do direito, a aplicação irrefletida das normas torna imperceptível o caráter violento da imposição e aplicação do direito, denunciado pelo filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940), que foi condição de possibilidade para a criação dos campos de concentração. Nessa direção, numa sociedade ensimesmada, individualizada, em que o espaço público está praticamente extinto, as condições da ação instrumental estão potencializadas a ponto de os indivíduos manifestarem ansiedade por serem vigiados, controlados e administrados cotidianamente. Luiz Eduardo Cani Mestrando em Desenvolvimento Regional na Universidade do Contestado Professor de Direito na Universidade do Contestado Sandro Luiz Bazzanella Doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina Professor Titular de Filosofia nos cursos de Graduação e no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado [1]https://seuhistory.com/biografias/adolf-hitler [2]https://seuhistory.com/biografias/adolf-hitler [3]“Caso a segurança e a ordem públicas estejam seriamente ameaçadas ou perturbadas, o Presidente do Reich (Reichspräsident) pode tomar as medidas necessárias a seu restabelecimento, com auxílio, se necessário, de força armada. Para esse fim, pode ele suspender, parcial ou inteiramente, os direitos fundamentais (Grundrechte) fixados nos artigos 114, 115, 117, 118, 123, 124 e 154.” [4]https://seuhistory.com/biografias/adolf-hitler [5]https://noticias.uol.com.br/ultnot/afp/2005/09/14/ult34u135455.jhtm [6]https://seuhistory.com/biografias/adolf-hitler [7]https://seuhistory.com/biografias/adolf-hitler [8]https://www.infoescola.com/segunda-guerra/invasao-da-polonia/ [9]LEVI, Primo. A trégua. Trad. Marco Lucchesi. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. Os comentários estão fechados.
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