Luigi Ferrajoli, na brilhante obra “Direito e razão: teoria do garantismo penal”, aborda os dez axiomas do garantismo penal, ressaltando a importância do modelo garantista de direito para a limitação do poder penal. Referente ao modelo garantista, aduz:
Nesse sentido, vislumbra-se a importância desses princípios para o Estado democrático de Direito, sendo os princípios garantistas configurados: como um esquema epistemológico de identificação do desvio penal, orientado a assegurar, a respeito de outros modelos de direito penal historicamente concebidos e realizados, o máximo grau de racionalidade e confiabilidade do juízo, e, portanto, de limitação do poder punitivo e de tutela da pessoa contra a arbitrariedade[2]. Relativo ao convencionalismo penal e legalidade estrita, ressalta-se a importância da legalidade para a delimitação do que deve ensejar a punição. Nesse sentido, o desvio punível seria
O princípio da legalidade torna-se, portanto, fundamental para coibir qualquer arbitrariedade ou uso abusivo na aplicação da lei, sendo de suma importância para a garantia e cumprimento dos direitos fundamentais inerentes a todos os indivíduos. Assim, segundo FERRAJOLI :
Posteriormente, na análise do cognitivismo processual e estrita jurisdicionariedade, o autor ressalta que “o segundo elemento da epistemologia garantista, associado ao primeiro como sua condição de efetividade, mas frequentemente descuidado, é o cognitivismo processual na determinação concreta do desvio punível''[5]. Assim, devem ser analisadas duas condições, a vericabilidade ou refutabilidade das teses acusatórias, não importando apenas que o desvio punível seja constituído ou regulado pelo sistema penal, ressaltando-se a importância de estar configurado por regras de comportamento, não se configurando em crimes indeterminados. O modelo teórico e normativo do processo penal como processo de cognição e comprovação, seria então ''a determinação do fato configurado na lei como delito tem o caráter de um procedimento probatório do tipo indutivo, que quanto possível, exclui as valorações e admite só, ou predominantemente, afirmações ou negações, de fato ou de direito das quais sejam predicáveis a verdade ou a falsidade processual''[6]. Por todos os princípios que compõem o modelo garantista, o mesmo torna-se fundamental para o sistema penal em sua totalidade, no intuito de conter as inúmeras arbitrariedades e abusos perpetuados no cotidiano forense. Dessa forma:
Em contraposição ao modelo garantista e os princípios democráticos que ensejam sua aplicação, são demonstrados a partir da epistemologia inquisitiva os modelos autoritários e os problemas oriundos de sua aplicação. Nesse sentido, “se o modelo garantista de legalidade penal e processual que até agora se tem descrito sumariamente não remonta há mais de dois séculos, suas lesões e refutações, tal como se manifestam nas divergências entre princípios e práxis mencionadas na introdução, envolvem uma tradição autoritária muito mais antiga e realmente jamais interrompida''[8]. O primeiro aspecto da teoria denominada antigarantista é demonstrado pela concepção não formalista, mas sim substancialista do desvio penalmente relevante e culpável, dando abertura a interpretações em termos vagos, ensejando inúmeras arbitrariedades. Ferrajoli ressalta os problemas oriundos das técnicas vagas de interpretação, em termos vagos os denotados de forte carga valorativa. Aduz que ''entre as figuras mais nefastas do moderno obscurantismo penal, pode-se recordar a concepção positivista antropológica do delinquente natural, a doutrina nazista do direito penal da vontade, ou do tipo de autor e a stalinista do inimigo do povo. Por outro lado, devem ser recordadas as diversas medidas de defesa social presentes em nosso ordenamento''[9]. Posteriormente, são analisados problemas decorrentes da denominada verdade processual penal, sendo a definição de verdade formal ou processual ''a análise das condições nas quais uma tese jurisdicional é (ou não é) verificável e verificada constituem, pois, o primeiro capítulo de uma teoria analítica do direito e do processo penal, e, também, os principais parâmetros de um sistema penal garantista''[10]. O que muitos abordam como verdade processual penal, denota a importância de discussão referente a referida indagação, visto que a ''verdade'' no processo é aproximativa, e não pode ser absoluta por todas as questões que ensejam a persecução penal. Fazendo uma brilhante relação com a ciência, Ferrajoli denota que mesmo a ciência e todas as suas teorias, consideradas por muitos anos como uma verdade imutável e absoluta, hoje já prevê sua alteração por meio dos denominados paradigmas, sendo um termo de referência do cientista Karl Popper. Ressalta, portanto, que:
Ao contrário, sabemos por experiência que toda teoria científica está destinada a ser superada antes ou depois por outra teoria em contradição com alguma de suas teses, que por isso, serão abandonadas um dia como falsas''[12]. Nesse sentido, é vislumbrado os problemas oriundos de demasiados juristas que buscam (como se fosse possível) a verdade processual penal nos casos concretos, ensejando inúmeras arbitrariedades. Como demonstrado e pela teoria garantista, essa verdade seria uma aproximação dos fatos, objetivando o esclarecimento do que ocorreu, mas não a busca incessante de uma verdade absoluta e imutável. No que tange aos modelos de direito penal e as garantias penais e processuais penais, o autor desenvolve os denominados axiomas garantistas. Os axiomas:
Os dez axiomas do garantismo penal são portanto: Nulla poena sine crimine Nullum crime sine lege Nulla lex (poenalis) sine necessitate Nulla necessitas sine injuria Nulla injuria sine actione Nulla actio sine culpa Nulla culpa sine judicio Nullum judicium sine accusatione Nulla accusatio sine probatione Nulla probatio sine defensione Os referidos princípios são garantias penais e processuais penais base para a consolidação de um processo democrático, observado todas as garantias que devem permear o conjunto probatório. Os denominados princípios são: '1) princípio da retributividade ou da consequencialidade da pena em relação ao delito, 2) princípio da legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito. 3) princípio da necessidade ou da economia do direito penal. 4) princípio da lesividade ou da ofensividade do evento. 5) princípio da materialidade ou da exteriorização da ação. 6) princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal. 7) princípio da jurisdicionalidade, também no sentido lato ou no sentido estrito. 8) princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação. 9) princípio do ônus da prova ou da verificação. 10) princípio do contraditório ou da defesa, ou da falseabilidade''[14]. Os princípios mencionados compõem, assim, o modelo garantista de direito e responsabilidade penal e processual penal, sendo fundamentais e base para um Estado democrático, cabendo aos operadores do direito lutar constantemente pela efetivação e eficácia dos referidos princípios e garantias. Paula Yurie Abiko Graduanda Centro Universitário Franciscano do Paraná – FAE Estagiária do Ministério Público Federal Membro do grupo de pesquisa O mal estar no Direito Modernas Tendências do Sistema Criminal Trial by Jury e Literatura Shakesperiana Membro do International Center for Criminal Studies e da Comissão de Criminologia Crítica do Canal Ciências Criminais Referências: [1]FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, teoria do garantismo penal. 3ª edição. Revista dos Tribunais. Tradutores: Ana Paula Somer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. p. 37. [2]FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, teoria do garantismo penal. 3ª edição. Revista dos Tribunais. p. 38. [3]FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, teoria do garantismo penal. 3ª edição. Revista dos Tribunais. p. 38. [4]FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, teoria do garantismo penal. 3ª edição. Revista dos Tribunais. p. 39. [5]FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, teoria do garantismo penal. 3ª edição. Revista dos Tribunais. p. 40. [6]FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, teoria do garantismo penal. 3ª edição. Revista dos Tribunais. p. 41. [7]FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, teoria do garantismo penal. 3ª edição. Revista dos Tribunais. p.43. [8]FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, teoria do garantismo penal. 3ª edição. Revista dos Tribunais. p. 44. [9]FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, teoria do garantismo penal. 3ª edição. Revista dos Tribunais. p. 45. [10]FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, teoria do garantismo penal. 3ª edição. Revista dos Tribunais. p. 49. [11] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, teoria do garantismo penal. 3ª edição. Revista dos Tribunais. p. [12]FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, teoria do garantismo penal. 3ª edição. Revista dos Tribunais. p. 52 e 53. [13]FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, teoria do garantismo penal. 3ª edição. Revista dos Tribunais. p.90. [14]FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, teoria do garantismo penal. 3ª edição. Revista dos Tribunais. p. 91. Comments are closed.
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