Uma das fortes características do romantismo, experimentado no final do séc. XVIII e no decorrer do séc. XIX foi o saudosismo. O desejo de retorno a um tempo “natural”, onde o homem ainda não havia sido corrompido pela sociedade, é tema persistente em muitas manifestações deste movimento artístico, filosófico e político.
Esse constante (re)viver o passado pode ser extremamente prejudicial para a capacidade transformadora que o estudo ou, de modo mais amplo, as ciências, deve projetar. Tratando-se das ciências sociais ainda mais. O mero repetir o ensino de grandes mestres é um exemplo típico da produção acadêmica sem vida própria e sem propriedade impulsionadora. É necessário evitar esse erro a todo custo. Obviamente deve-se reconhecer o trabalho teórico e a construção de pensamento já operada, afinal, ninguém pode partir do nada. Inegavelmente edificamos nossas pesquisas com base em algum alicerce de conhecimento. Porém, há sempre que se cuidar em não cair na armadilha da mera repetição monótona do que já foi dito ou do infecundo traçado de caminhos já trilhados. O desafio é grande. O poder de atração de alguns ensinos é gigantesco e a capacidade de questioná-los com o fim de lapidar suas conclusões não é facilmente desenvolvida. Há alguma dor em contrariar àqueles a quem se deve a descoberta de novos conhecimentos. Há o receito de uma “traição” ou de um “abandono”. Deixando essas questões de lado é importante frisar que no ramo da Criminologia Crítica vive-se, em especial a partir da última década do séc. XX, uma espécie de vertigem. Chega-se a um abismo após a longa escalada do decorrer do século, iniciada com vigor na década de 60 com a emocionante “virada criminológica”. A grande questão que se levanta ao raiar do séc. XXI é: para onde ir? Como já dito essa percepção vertiginosa não é nova. Mas também é verdade que não está superada. Há ainda uma lacuna a ser preenchida, um certo desejo de que surja uma “escola” capaz de coesão, de unir uma “frente de batalha”. Seria isso possível? Seria isso desejável, quer do ponto de vista científico quer da abordagem prático-criminal? Existe hoje uma pulverização de estudos que se identificam com a criminologia crítica, centrando-se, porém, em campos delimitados de análise do fenômeno seletivo de exercício do poder punitivo – voltados a questões de gênero, ambientais, étnicas, culturais, etc. Para não cairmos num “romantismo criminológico”, que saídas têm sido aventadas? Este texto não pretende, no momento, responder de forma exaustiva esta questão, mas apontar algumas propostas surgidas em diferentes cenários. Antes de mencioná-las importa ressaltar aquilo que essas propostas têm em comum. Isso é relevante porque de modo geral elas não guardam muitos pontos de contato, sendo elaboradas a partir de instrumentais diferentes e com propósitos específicos; até mesmos divergentes. Porém, como objetivo geral se percebe o desejo de oferecer uma resposta à expansão do punitivismo e a busca por algo que permita a criação de políticas criminais voltadas à redução da violência perpetrada pelo exercício de punição estatal nos moldes atuais. Partindo deste objetivo geral os estudos de criminologia contemporâneos podem ser, sem a pretensão de elencar todas as possibilidades, organizados da seguinte forma: a. os que enxergam a necessidade de se continuar a trabalhar o desenvolvimento da dogmática penal como ferramenta de diminuição da irracionalidade da aplicação do sistema penal; b. os que procuram trabalhar cientificamente com dados empíricos que possam fornecer um substrato concreto apto a influenciar políticas criminais descriminalizantes; c. os movimentos de “descarceirização” e “humanização da pena” encampados por militantes libertários (através de mutirões, movimentos de pressão política em prol de medidas concretas de efetivação de garantias da LEP, etc); d. os já mencionados rumos de estudo descentralizados – Criminologia Feminista; Criminologia Racial; Criminologia Cultural; Criminologia “Visual” (Visual Criminology - espetacularização penal); Green Criminology (voltada a questões ambientais); entre outras. A despeito do fato de que a Criminologia Crítica se viu, até certo ponto, aprisionada à função de diagnóstico e denúncia, entendo que ela ainda pode (deve) ocupar um lugar importante como forma de resistência ao alargamento do poder punitivo. Para tanto um passo fundamental é ampliar os espaços de discussão de seus pressupostos e suas descobertas, já que embora bastante difundidos nos meios especializados, não recebem a atenção que deveriam no ambiente acadêmico em nosso país. Seu poder desanuviador precisa chegar até os graduandos em direito, sem o que o ensino superior continuará sendo um reduto de produção do senso comum punitivo, com o intensificador do olhar “científico” que traz sobre a sistemática de aplicação do direito penal, corroborada por “manuais” e “esquemas” que repetem dezenas de conceitos prontos a serem consumidos e repassados. Indo adiante, espera-se que sejam desenvolvidos em breve em nosso país programas de pós-graduação stricto sensu com linhas de pesquisa voltadas exclusivamente à Criminologia. Além disso, a Criminologia Crítica precisa atingir autonomia, não escusando, porém, aquilo que é uma de suas maiores virtudes, a saber, sua transdisciplinariedade. Essa autonomia precisa ser alcançada de modo a não ser mais tratada como o “patinho feio” das ciências criminais, recebendo as migalhas do tempo e atenção dados ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal. Por fim, é fundamental que se aproximem os estudos de Criminologia Crítica efetuados na América Latina. A criação de uma frente com poder de influência, formada por profissionais voltados ao estudo de criminologia, precisa conquistar o espaço do diálogo envolvendo políticas criminais em países marginais, tanto no campo de inovações legislativas em curso ou no constrangimento argumentativo frente às práticas já em curso. Um trabalho de resistência difícil, que precisa ser encampado por pessoas sérias e capazes de diálogo, com o fim de contornar e reverter o senso comum punitivo e aproximar da realidade o ideal de uma menor violência em resposta aos conflitos inerentes a sociedades marcadas por abismos sociais. Não há perspectiva de futuro, em termos sociais, sem criminologia. Não há futuro para criminologia sem uma constante reavaliação de suas frentes de pesquisa. Não há avanço científico sem se aprender as lições do passado e a provocação de impulsos para o futuro. Paulo R Incott Jr Mestrando em Direito pela UNINTER Pós-graduando em Direito Penal, Processual Penal e Criminologia Diretor Executivo do Sala de Aula Criminal Referência: FERREIRA, Carolina Costa. Os caminhos das Criminologias Críticas: uma revisão bibliográfica. Revista de Criminologia e Políticas Criminais. V2. N.2. p. 171-192. Jul/Dez 2016. Curitiba, 2016. Comments are closed.
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