A saúde mental é um dos aspectos mais importantes e deve ser foco de constante atenção. Isso é uma informação que é bastante pregada, mas o que se fala não corresponde ao que, de fato, é feito. Essa constatação é decorrente de uma visão global da sociedade e suas pessoas, portanto, deve-se ir além das escolhas mais evidentes, que seriam, por exemplo, as vítimas de violência. E, nesse quesito, seriam apenas as vítimas “explícitas”, as que chegam até a justiça com esta queixa, pois sabe-se que muitas outras podem ser expostas a situações que justificariam um atendimento diferenciado, mas sequer toma-se conhecimento delas.
Assim, precisa-se olhar também para quem nem sempre é lembrado, para aqueles que estão, diariamente, convivendo com situações extremas e, por conta de seu ofício, devem mais ajudar do que receber ajuda. Dessa forma, Anchieta et. al. (2011)já pontuam que o trabalho é tido como uma atividade que compreende o ser humano em todas as suas dimensões e, portanto, tem um papel de grande importância na construção da subjetividade e é um elemento constitutivo da saúde mental, tanto individual quanto coletiva. Sendo assim, a interação entre as disposições biológicas, culturais e ambientais da existência podem ser definidos como a "condição de saúde" e, com isso, trazer em pauta uma análise da junção saúde/trabalho, considerando dois planos: o próprio processo de trabalho – com potencial de repercussão sobre a saúde e o âmbito da subjetividade e da vivência profissional (MINAYO et. al., 2011). Novamente, vê-se que o trabalho contribui para uma grande parcela da vida de um indivíduo e, dizendo mais, não seria apenas uma "parcela", separada das outras esferas, mas sim um dos aspectos que está em constante interação com os demais fatores que permeiam a vida cotidiana e, por conta disso, influencia e é influenciada por elas. Visto isso, pode-se considerar que policiais são bons candidatos a receberem suporte psicológico, pois, de acordo com um estudo feito no ano de 2000, no Paraná, cerca de 15% dos bombeiros e policiais na ativa, praças e oficiais já pensaram em cometer suicídio; além disso, 27% tinham algum problema de saúde, 7% se viam como pessoas depressivas, 12% eram ansiosos, 14% tinham humos oscilante e 19% disseram ter alterações desproporcionais. Não obstante, a pesquisa, que envolveu 10632 entrevistados, revelou que 12% deles já haviam usado algum tipo de droga além do álcool e 1% tomava bebida alcóolica já pela parte da manhã (NEMITZ, 2015). Sendo assim, não se pode negar que, inicialmente, é de extrema necessidade prestar apoio para eles tenham condição de auxiliar a população de acordo com o que se é exigido e esperado. Em um estudo mais recente, Anchieta et. al. (2011) utilizaram-se de um instrumento denominado ITRA – Inventário sobre Trabalho e Riscos de Adoecimento, que é composto de escalas que revelam fatores em algumas esferas da relação entre trabalho e o processo de subjetivação, o contexto do trabalho em si e os efeitos dele no trabalhador, enfim, a vivência disso tudo e a forma como ela acontece que acaba por influenciar sua saúde. Em suma, não foram notadas evidências de danos graves, mas, é aconselhado verificar o que ocorre na organização do trabalho, que pode ser categorizada como crítica, assim como outros aspectos que também foram medidos como tal, em sua maioria, estando no espectro das relações socioprofissionais, dascondições de trabalho, do custo afetivo e do custo físico (ANCHIETA et. al., 2011). Vale lembrar que alguns desses fatores identificados estão não só na esfera profissional, mas na pessoal também. Existem custos que são sentidos dentro de casa, com a família e amigos, por exemplo; ou seja, que invadem a vida privada, minando os momentos de descanso e lazer (primordiais para uma “recuperação” física e mental entre turnos do indivíduo). Ainda há pouco interesse e conhecimento nessa área, tendo o policial como sujeito central. Segundo Anchieta et. al. (2011), são poucos os estudos que mostram preocupação com a saúde mental dos agentes da polícia, e são todos recentes, raros e podem ser ampliados. Mesmo assim, torna-se cada vez mais evidente a necessidade de voltar o olhar para esta categoria, não excluindo todas as outras que podem estar na mesma situação, como bombeiros, bancários, entre outros, considerando a dinâmica do cotidiano vivido, com o intuito de proporcionar um ambiente propício e o suporte adequado para o equilíbrio vital. Mas como projetar alguma intervenção ou um auxílio eficiente se há tão escassa informação sobre como o assunto deve ser tratado na prática? Se as pesquisas na realidade brasileira já são poucas, menos ainda são encontradas propostas que possam pautar uma ação. Minayo et. al. (2011) se perguntam se seria possível desenvolver um estilo de vida diferenciado ou até mesmo melhorar as condições de vida atuais, já que estas produzem tantos efeitos contrários à saúde. Assim, os autores já definem como primordial algum plano de ação por parte das corporações policiais, em benefício dos que ali trabalham. É imprescindível que a própria instituição participe da elaboração de projetos, pois são seus membros que reconhecem as diferenças existentes entre o trabalho prescrito e o trabalho real, assim como todos os processos que interferem no adoecimento (MINAYO et. al., 2011). Afinal, não há como delimitar intervenções sem o conhecimento ou, pelo menos, o palpite, da questão em si e como ela é apresentada e mantida. Atualmente, a participação da Psicologia já não é mais tão estranha. Pode-se até afirmar que ela começa antes de um policial chegar à ativa, visto que todos os aspirantes devem passar por uma avaliação, que tem como objetivo detectar aspectos que são relevantes para a execução do trabalho (NEMITZ, 2015). Portanto, a necessidade de acompanhamento, nem que seja apenas em forma de uma avaliação pontual, já demonstra sua importância. Após,um suporte ainda faz-se útil também no decorrer do período em que o sujeito está produzindo, visando um acompanhamento global, em todas as fases da vida de trabalho. Nemitz (2011) relata que o serviço de Psicologia ofertado, no Paraná, envolve desde o atendimento clínico até a arteterapia, com programas como de avaliação psicológica de aspirantes, psicoterapia, atendimento psiquiátrico, atendimento social, preparação para a reserva (aposentadoria), programa antiestresse, avaliação de clima organizacional, programa de prevenção ao suicídio, entre diversos outros. Mesmo assim, ainda é um pequeno passo tendo em vista a magnitude da demanda. O investimento é o caminho mais certo para a efetivação dos serviços, sendo que este não limita-se apenas ao investimento financeiro, mas também de tempo, recursos e, principalmente, humano. Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANCHIETA, Vânia C. C., GALINKIN, Ana L., MENDES, Ana M. B., NEIVA, Elaine R. Trabalho e riscos de adoecimento: um estudo entre policiais civis. In. Psicologia: Teoria e Pesquisa.Abr-Jun 2011. Vol. 27. n° 2. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ptp/v27n2/a07v27n2> Acesso em 08 abr. 2018. MINAYO, Maria C. de S.; ASSIS, Simone G.; OLIVEIRA, Raquel V. C. Impacto das atividades profissionais na saúde física e mental dos policiais civis e militares do Rio de Janeiro. In.Ciência & Saúde Coletiva. Vol. 16. n° 4. Disponível em <https://www.scielosp.org/article/ssm/content/raw/?resource_ssm_path=/media/assets/csc/v16n4/v16n4a19.pdf> Acesso em 09 abr. 2018. NEMITZ, Ellen. O policial no divã. In.Revista Contato. Ano 17. Edição 100. Jul-Ago 2015. Comments are closed.
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