Fiel ao seu estilo, Bauman de modo sucinto e claro aborda a percepção do medo na sociedade líquido-moderna. Partindo de concepções psicanalíticas, o autor traça um panorama do sentimento generalizado de medo, funcional ao sistema politico-econômico ocidental. Vislumbra a figura do estranho, do estrangeiro, do diferente como arquétipo da simbologia do medo, da desconfiança.
Quais seriam as causas do medo generalizado e constante em nossos tempos? O autor aponta(p. 17):
Partindo dessa visão, Bauman demonstra o papel do individualismo em nos colocar em uma posição de desconfiança, medo constante, em que precisamos por nós mesmos lidar com as inseguranças próprias da experiência humana e exacerbadas pelo ambiente de competição criado na modernidade líquida, focada no consumo. Bauman destaca ainda uma espécie de medo que se assevera nos últimos dois séculos: o medo de ser inadequado, de ser excluído. A ideia voltará a ser trabalha de modo extenso em outra obra posterior do autor ("Medo Líquido"), mas desde já o sociológo elabora o diagnóstico de que o ser humano, na passagem para modernidade, enfrenta a ameaça constante de ser considerado inútil ou ultrapassado. Em todas as esferas da vida há a perene possibilidade de sermos descartados, sem chance de recorrer da "decisão", consequência muitas vezes de acontecimentos que estavam fora do nosso alcance de previsão e controle. As consequências do individualismo, da desconfiança generalizada e da possibilidade constante de exclusão são obserbadas na forte tendência de "elitização" geral. Conforme o autor (p. 28):
Não é difil para o autor construir, a partir destas percepções, a noção de que vivemos em uma sociedade propícia ao medo e contrária à solidificação da confiança mútua. Em uma das passagens mais sigificativas desta obra, Bauman traz uma conclusão perspicaz (p. 44):
Na sequência, Bauman tece comentários sobre os efeitos políticos desta estruturação. Porém, quem sabe sua contribuição mais significativa através da obra em tela se dê em sua análise dos efeitos do medo sobre a forma de vivência no ambiente "principal", corriqueiro, das pessoas no Ocidente: a Cidade. Bauman analisa a arquitetura em voga nas cidades, em especial nas grandes metrópoles; uma arquitetura pontuada sobremaneira por construções de "segurança máxima", com espaços limitadíssimos ou inexistentes para o intercâmbio entre "diferentes", resultando numa lapidação dos conceitos fundantes da democracia, destacadamente a solidariedade. As ações tomadas em virtude do medo na cidade, como a construção de ambientes como os acima descritos, acaba por não trazer a sensação de segurança desejada, mas por asseverar as bases sobre os quais o medo se sustena e se alastra. Comentando os efeitos destas e de outras medidas de segurança cada mez mais comuns o sociológo conclui (p. 54):
Por fim, Bauman faz alusão aos lucros que são gerados pela manutenção dos níveis de desconfiança e medo. Indústrias poderosas lucram anualmente cifras altíssimas vendendo os mais criativos "antídotos" para o medo. Desde sistemas de segurança, eletrônicos ou não, passando por veículos blindados e apólices de seguro, há todo um "comércio do medo" que propsera em numa progressão qjue guarda relação direta com o aumento de uma sensação propagada (e manipulada) de desconfiança e insegurança. O fetiche pós-moderno (da modernidade líquida) da segurança - eis a questão trazida por Bauman. O modo como se passou a compreender o medo, seus efeitos e a reação a eles é um dos pontos focais de toda a produção deste brilhante sociológo que nos deixou órfãos em 2017. Conclui-se aqui a resenha da obra selecionada com a bela observação do autor sobre o que faz de nós realmente humanos, baseado numa aula que assitstiu de antropolgia (p. 90):
Não haveria melhor maneira de elucidar o único remédio possível para o medo e os outros males que afligem nossa sociedade. Sim, o único caminho é a compaixão! Paulo Incott Diretor Executivo do Sala de Aula Criminal Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal Pós-graduando em Criminologia Referência: BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |