Sempre que se escuta uma notícia referente a um crime, é natural pensar na repressão através da imposição de prisão. Em nosso atual arcabouço jurídico penal há três possibilidades de prisão, são elas: a prisão em flagrante (aquela em que o sujeito é surpreendido durante a prática de um crime ou perseguido logo após[1], devendo ser homologada em audiência de custódia, em 24 horas após o fato[2]), a temporária (que somente pode ser decretada durante o Inquérito, dentro dos requisitos impostos pela Lei 7.960/89, por prazo determinado[3][4]) e a prisão preventiva (que pode ser decretada tanto na fase de Inquérito quanto na judicial, desde que presente os requisitos previstos no Art. 312 CPP[5]). Pois bem, a partir desta breve introdução é fácil perceber que a abrangência da prisão preventiva é muito maior do que prisão em flagrante e temporária, e também que não há qualquer limite temporal de duração. Justamente por não existir prazo limite para a duração da prisão preventiva, há inúmeros casos que chamam a atenção, por desafiar qualquer noção de razoabilidade no que diz respeito sobre quanto tempo uma pessoa poderia ficar presa sem uma condenação. Com base na garantia da razoável duração do processo (Art. 5º LXXVIII[6]), a 2ª Turma do STF, concedeu ordem de ofício para revogar a prisão preventiva, decretada há mais de 02 (dois) anos, em razão da injustificada demora na instrução processual. Eis o precedente:
No Voto é possível perceber claramente o excesso de prazo:
O caso concreto chama a atenção pela celeridade do oferecimento da denúncia, que ocorreu 01 (um) mês após a audiência de custódia, no ano de 2.014, porém, mesmo após o oferecimento da defesa prévia, a audiência de instrução ainda não havia sido designada, 02 (dois) anos após a prisão. Portanto, o cidadão ficou mais de 02 (dois) anos preso, sem que o Juízo tivesse designado audiência de instrução e sem qualquer justificativa para a demora da tramitação, isto porque tanto defesa quanto acusação haviam respeitado os respectivos prazos processuais (denúncia e resposta à acusação). Assim, no presente caso, o excesso de prazo da prisão, além de desvirtuar os motivos que ensejaram a decretação da preventiva, a duração desarrazoada da segregação cautelar se traduziu em uma (indevida) antecipação de pena. Neste ponto é essencial destacar a lição da doutrina, sobre a possibilidade da coexistência das garantias constitucionais com a punição.
As garantias constitucionais não podem ser entendidas como um fator capaz de gerar a impunidade, e sim como uma forma de limitar a atuação do Estado. No precedente em destaque, o Ministro Gilmar Mendes entendeu que a manutenção da prisão preventiva por mais de 02 (dois) anos é manifestamente contrária à garantia de ser julgado em um prazo razoável, prevista no Art. 5º LXXVIII, e por essa razão revogou a prisão (de ofício!). Por fim, é importante destacar que por mais que uma leitura apressada possa sugerir, a intenção do precedente não foi a de estabelecer, a partir de um critério temporal fixo, quando seria possível verificar um excesso de prazo de duração da prisão preventiva. Nem sempre o transcurso de 02 (dois) anos vai representar ofensa à garantia da razoável duração do processo, e sim somente quando for possível verificar no caso concreto uma demora injustificável na instrução. Portanto, por mais que não exista um limite temporal fixo para a duração de uma prisão preventiva, a sua manutenção depende da razoável duração do processo, como forma de evitar que a prisão preventiva desvie a sua natureza provisional, passando a se tornar uma verdadeira antecipação da pena. Thiago Pontarolli Advogado [1] Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la; III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. [2] CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS - Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal 5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. [3] Art. 2° A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade [4] § 4o A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei no 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. [5] Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. [6] LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação [7] STF – HC 129.668, Gilmar Mendes, 2ª Tª, DJ 23.08.16. [8] STF – HC 129.668, Gilmar Mendes, 2ª Tª, DJ 23.08.16. [9] LOPES JR, Aury – Direito Processual Penal, Saraiva, 2.014, p. 08. Comments are closed.
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